A irreverente senhora L. (crônica de meu amigo Peixotão)

A irreverente senhora L.

(ou Perfil de uma Trintona)

Imagine só: uma criatura que aparenta ter a metade da idade que realmente tem e cuja altura é inferior à média dos exemplares femininos da espécie – nada que um salto plataforma não resolva. Não, ela não é um hobbit (até onde sei, não tem pés peludos), tampouco um gnomo (a bem da verdade, nunca reparei se suas orelhas são pontudas...). Em realidade, é vão o esforço de defini-la. O espírito condiz com a aparência juvenil: está sempre tão alegre a ponto de irritar o mais fleumático dos mortais, especialmente quando irrompe com sua cantoria em falsete ou incorpora o papel de criança pirracenta (cale-se, cale-se, você me deixa looouco!). Os grunhidos que emite por vezes nos fazem duvidar de que seja realmente humana; para um desavisado, assemelha-se a uma pequena aborígine; alguns arriscam dizer que é autista (eu, particularmente, aposto que ela é um desenho animado encarnado). Os mais realistas, entretanto, asseguram que se trata mesmo é de uma louca desvairada.

Em questão de estilo, veste-se ora como uma acadêmica de ciências sociais, com suas saias rodadas e seus colares artesanais, ora como “mulherzinha” (ou mulherão se estiver de plataforma e calça legging). É louquinha, louquinha, mas tem belas pernas.

Em razão de suas habilidades dramáticas, é indefinível a linha que separa a naturalidade de gestos e intenções da interpretação teatral: Síndrome de Florisbela. Não raro tira um sarro da cara do interlocutor, o que fica evidente por meio da risadinha de escarnecimento: travesuras de la niña mala. Seu espirro, de tão espalhafatoso, parece propositadamente calculado para assustar É também um costume seu chamar a todos por curiosos epítetos intraduzíveis (babiequenaihow, suiterranei), sendo o mais comum “doido(a)” e suas variações. Aliás, quando resolve evocar os colegas do sexo masculino pelo nome, emprega sempre o aumentativo, o que deixa entrever algo como um complexo de inferioridade mal resolvido (Em verdade, nem todos aceitam bem padecer de um déficit de altura).

De fato, diante de tantas esquisitices, não é fácil assimilar que um indivíduo de tão diminutas proporções e idade mental variável já foi casado – e por duas vezes! Sim, leva-se tempo até entendermos que, a despeito de todas as evidências-e-gritinhos-e-dancinhas-e-esquetes estamos diante de uma balzaquiana experimentada.

Na verdade, tudo nela é irreverência e pulsação. Pinta, (se borda, não sei), escreve, costura, esculpe, gagueja, dança (andale!, andale!), canta (Que Beijinho doceee, que você teeeemmm!!!), toca, interpreta e muchas otras cositas más. Ufa, ufa! De onde provém tanta vitalidade? Às vezes é tanta a energia que me pergunto se não existe um botão on/off que possa ser desativado. O que lhe falta em tamanho, sobra-lhe em criatividade, disposição, animação. Não há campo da atividade artística humana no qual essa intrépida multimulher já não tenha se aventurado. Talvez daí advenha sua gaguez: é tanta a ânsia por desbravar o mundo, por conhecê-lo e transformá-lo, que mal pode articular eloquentemente em palavras seu desejo de aprender e apreender. Talvez daí venha a aptidão para representar: ela é tantas que precisa se desdobrar em personagens, mesmo sem ter que subir ao palco.

Em suma, essa baixinha arretada é uma mulher admirável: múltiplos talentos, um carisma irresistível e um senso de humor incomum (vou ganhar quanto por tantos elogios?). Batalhadora, sensível, incansável (haja fôlego para subir de bicicleta, com tantas compras, a ladeira).

Por último, vale a observação: quando sentir vontade de esgoelá-la carinhosamente, bom sinal: você está gostando dela.

Bruno Peixoto.

Lígia Martins
Enviado por Lígia Martins em 12/05/2009
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