A LIÇÃO DO DIA
A LIÇÃO DO DIA
Eu tinha passado uma noite péssima. Aquela tosse irritante me incomodara durante toda a noite tirando-me o sono. Como já tenho costume de dormir tarde, mesmo que queira dormir um pouco mais cedo, é impossível. Sofro de insônia e isso é um mal tremendo. Na madrugada, ainda acordado fiquei pensando na vida. No quanto já havia trabalhado e se valia à pena trabalhar tanto num país como o nosso. Enquanto eu me matava dando aula numa escola defasada pelo estado, a uns pirralhos que não queriam nada, outros viviam na maior mordomia, usufruindo de todos os luxos possíveis em gabinetes fechados à custa do dinheiro do povo, do meu dinheiro. É não posso acreditar nos políticos de nosso país. Também não tenho culpa se os fatos me levam a pensar assim. Enquanto a violência, a prostituição, a droga, a miséria toma de conta das ruas, tornando-se casos banais aos nossos olhos, eles lutam por interesses próprios. Dinheiro no bolso sem esforço e sem trabalho. Até eu queria isso, se não fosse meu caráter, minha formação e minha índole de cidadão justo e correto.
Não tomei café da manhã. Acordei indisposto e sem ânimo. A única coisa que ainda me conforta é que tenho amor à profissão, apesar de todas as dificuldades. Às vezes penso que o que falta a esses políticos irresponsáveis é amor ao que fazem, ao povo que representam. Sai mais cedo que de costume. A rua começava a se agitar em mais um dia corriqueiro de trabalho. Cheguei cedo à escola e sentei-me na sala dos professores. Estava sozinho, revendo o plano de aula que aplicaria naquela manhã. Estava tão desanimado pra dar aula que pensei durante algum curto espaço de tempo em sumir, desaparecer, sair e inventar uma desculpa qualquer, ficar em casa. Apesar de toda a paixão que tenho pela minha profissão, pouco me importava naquele momento o meu trabalho.
Mas jamais pensei que pudesse justo naquele dia aprender uma lição de vida. Estava nesse dilema quando entrou uma jovem e ficou do meu lado. Trazia no rosto um sorriso de leve como quem quer se aproximar pra conversar. Não estava pra ninguém. Mal humorado perguntei logo o que desejava, não suportava ser incomodado. Era uma aluna jovem, bonita de olhos brilhantes e sedutores. Não ensinava a ela, mas a conhecia de vista nos corredores da escola. Tinha dela boas referências. Sentou-se apesar de eu não ter mandado. Coloquei o livro cobrindo o meu rosto, não estava a fim de papo mesmo. Ela insistiu. Perguntou-me se estava com algum problema. Não respondi nada, mas ela não desistiu. Continuei com o livro na mesma posição. Não estava lendo deveras, mas era a única forma de mostrar minha indiferença. Ela cruzou as pernas. Olhei de relance e vi que tinha bonitas pernas. Ela começou a falar. Era de uma voz suave e macia, dessa penetrante no mais íntimo do coração humano.
_Sabe professor, hoje vejo algo de diferente no senhor. Desculpe-me a franqueza, mas seu mau humor ofende. Não o conheço como professor, apesar de saber que todos os alunos lhe querem muito bem. Não sei o que tem e também não me interessa se o senhor não quiser contar. Bem, sei que não está. Todo mundo tem esses dias de terror na vida. Bem sei o que é isso. Dá vontade de jogar tudo para o alto e sumir no mundo, esquecer da vida que levamos e começar outra vida bem longe de tudo. Mas prefiro pensar sempre no lado bom da vida, ainda que esse lado bom não esteja tão fácil ao nosso alcance. Acho que o senhor precisa de alguém que o escute, que o mostre a importância das coisas boas da vida. Não sou exemplo pra ninguém, mas apesar de todos os problemas que tenho sou feliz. Perdi meu pai muito cedo. Tempo difícil aquele em que mamãe ficou sozinha pra cuidar de nós três. Eu tinha meus cinco anos de idade. Era a mais nova além de mais dois irmãos. É duro acordar de manhã e não ter nem um café pra tomar. Minha mãe é uma batalhadora, mulher forte e resistente. Hoje, apesar de adultos, os problemas não acabaram. Meu irmão do meio tem problemas com drogas, já fizemos de tudo, mas não tem jeito. Meu irmão mais velho é casado, tem sua família, mora distante e pouco vem aqui. Eu trabalho em casa de família quando saio daqui. Sou eu quem resolve tudo pra minha mãe que também trabalha. Antes mesmo de vir pra cá tive que pegar meu irmão longe de casa, caído numa calçada, drogado e sem defesa. Sofro com isso sabe, não por ele exatamente, por que essa infelizmente é a vida que ele escolheu, mas pela minha mãe, talvez pelas lágrimas que já derramou. O que mais me dói é saber que não vamos perder ele pra vida, mas pra droga. Poderia dizer que nossa vida é um inferno? Talvez pudesse. Mas não penso assim. Sonho com o dia em que ele vai ficar livre das drogas, com minha formatura, com um trabalho mais decente, enfim com uma vida melhor. Prefiro encarar os problemas com um sorriso, por que sorrir faz bem e lava a alma. Tenho todos os motivos do mundo pra me sentir infeliz, mas insisto na minha felicidade, buscando nas coisas mais simples da vida, o significado de tudo isso. Desculpe-me se perturbei, mas precisava desabafar com alguém, isso me faz bem e acho faria ao senhor também.
Quando ela terminou as lágrimas rolavam de seu rosto meigo e delicado. Eu tinha esquecido o livro e a ouvia atento a cada palavra pronunciada. Como pude ser tão egoísta, a ponto de achar que somente eu tinha problemas? E eu tinha problemas? Sentia vergonha de mim mesmo, pela forma como a recebi. Ela tinha razão, a vida é muito curta pra ser encarada com mau humor. Ela não disse mais nada. Enxugou as lágrimas e levantou-se para sair. Eu não sabia o que dizer nem o que fazer. Sei que me senti bem melhor, mais leve e pronto pra dar um show na aula. Quando ela passou na porta, eu me levantei, ela parou e me olhou com olhos firmes e brilhantes.
_Obrigado...!!! Era o mínimo que eu podia dizer.
FIM.