O FILHO DA MATA

O local onde trabalho é rodeado por um capão de mata serrada muito preservada , fruto de uma visão futurista de um dos Governadores que conduziu o Estado de Mato Grosso do Sul por um bom período no passado. O Tribunal de Justiça deste Estado, bem como os outros órgãos dos Três Poderes, são instalados numa região preservada e rodeada de um verde colossal, com reserva biológica e ecológica, preservando os bichos nativos mais comuns como quatis, capivaras e aves diversas etc.

Pois bem, a partir disso é comum observarmos de nossas janelas alguns bichinhos que perambulam pela área preservada, que muitas vezes escapam das áreas cercadas por cercas resistentes, mas que não são suficientes para detê-los em algumas circunstâncias.

Mas o bichinho que me leva a fazer essa crônica não são esses incomuns para uma região urbana, como citei acima. Trata-se de um cãozinho muito estranho, pequenino, de cor levemente preta, como traços entre o marrom escuro e o preto, com pelos que não se comprimem ao corpo, formando fios esguios que se distanciam da pele. Sua constituição não é muito comum, pois mais parece um ouriço, com uma carinha pedinte, com olhos bem grandes, mas com pelos em pé que lembram um mandorová, ou aquelas larvas que emanam da metamorfose das cigarras. Passei a chamá-lo de filho da mata, porque ele vive ali naquele local cercado de árvores e de bichinhos nativos.

É espantoso a esperteza daquele cachorrinho. Ele tem uma vitalidade incompatível com o fato de viver praticamente só naquele capão de mato. Alguns dizem que ele se alimenta de restos de comida de uma creche encravada na beleza do lugar, ou então, de restos que os operários deixam na hora do almoço, pois sempre há uma nova obra de ampliação, já que a estrutura do Poder Judiciário cresce ano a ano.

A mesmo tempo em que tal animalzinho está ofuscado pela sua feiura, ele se transforma em um lindo cachorrinho quando demostra a sua alegria ao ver uma pessoa. Acho que ele age assim por carência, querendo atenção de todas as pessoas. Faz a maior festa quando alguém passa por ele. Late. Pula. Faz gracinha. Corre em círculos. Vence obstáculos. Balança o rabinho ereto, parecendo que seu lado carente - por viver num ambiente pouco comum - lhe fez frívolo e promíscuo, pois logo que vê uma outra pessoa ele abandona a primeira e se mostra mais amigo daquele último que apareceu. Veja que até o animalzinho procura uma fonte segura para amparar o seu futuro, pois percebe de imediato a pessoa que não liga para ele e não quer lhe dar atenção. Busca o amor das pessoas, pois deve estar cansado de viver só (nos feriados e nos finais de semana), por isso aproveita quando as pessoas estão circulando pelo local.

Alguns indagam se é justo adotá-lo ou levá-lo para algum abrigo de animais em face da sua liberdade e da sua conquista por aquele espaço, pois ali ele se julga o dono do território e percorre toda aquela reserva com a imponência de um rei. O mais observador pondera que quando ele chegou estava magrinho e sem saúde, no entanto, passados alguns meses adquiriu força e vitalidade, numa demonstração de que o local está lhe fazendo muito bem e não lhe falta alimentação.

Por outro lado, talvez o nosso egoísmo não admita que alguém passe a desfrutar sozinho da sua complexa formosura, eis que já acostumamos a vê-lo altivo e faceiro quando chegamos para trabalhar, balançando o rabinho para todos que passam, como se fossem velhos conhecidos.

Assim, a linda paisagem verde, trazendo um misto de cheiro de mato com orvalho da noite, mistura-se a uma visão extraordinária quando observamos nosso ambiente de trabalho bem próximo da natureza, deixando-nos bem perto de todos aqueles bichinhos que por ali perambulam em busca de alimento. Não raras vezes vejo da minha janela vejo uma casal de Jacutinga perambulando pelo gramados e pela vegetação rasteira debaixo das árvores. Vejo também os inúmeros pássaros, das diversas raças, que pulam de galho em galho fazendo seus ninhos ou iniciando a jornada do dia-a-dia.

Como estou enfeitiçado por esse cenário, certamente que o animalzinho objeto de minha crônica – O filho da mata – também deve estar se sentido o primeiro dos cães, rebatendo o rancor e a maldade que o seu antigo dono lhe reservou ao pensar que o deixou tão só naquele capão verde.

Machadinho
Enviado por Machadinho em 12/05/2009
Reeditado em 12/05/2009
Código do texto: T1589298