As fases da lua ou Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos
As Fases da Lua
ou
Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos
suzabarbi@hotmail.com
Uma voz dentro de Simoninha dizia para ela não sair naquela manhã.
A noite tinha sido péssima.
Encontrou com o Zeca, um cinquentão (assim como ela) enxuto, com quem já tivera um gostoso affair.
Há anos...
Decidiram passar a noite juntos.
No apartamento dela.
Desgraça total.
Depois de várias tentativas, a noite foi um fracasso.
Ele levantou tenso e foi direto para a fruteira.
Quando já ia pegar o mamão papaia que lá estava, Simoninha quase teve um treco:
- Larga a-go-ra o meu papaia. Esse aí é só meu! O meu papaia eu não divido com nin-guém!
Zeca tomou o maior susto, levantou as duas mãos e soltou o pobre mamão no ar, que foi parar esborrachado no chão da cozinha.
Simoninha quase teve outro treco e antes que isso acontecesse resolveu respirar fundo e dizer bem pausadamente:
- Zeca, foi um prazer encontrar com você, mas agora é hora do banho e do trabalho. Vamos tomar providência?
A providência era ele ir embora dali.
E bem rápido, pela cara dela.
Ele saiu de lá cabisbaixo.
Provavelmente, teria dificuldades em ter nova noite de amor com quem quer que fosse.
A vida já não era tão cheia de energia assim...
Simoninha atravessou furiosa o corredor que a levava a sua sala.
Tudo a incomodava.
Até o gostoso cheiro de café que vinha da cantina a fez enjoar.
- Desgraça de menopausa! E ainda encontro um que me faz lembrar mais ainda dela.
Definitivamente, viraria comunista: comeria apenas criancinhas.
À noite, resolveu ir a um boliche.
Quem sabe mandando aquelas bolas pesadas em cima das garrafinhas não colocaria uma pouco da sua raiva pra fora?
Nem foi preciso: a primeira bola que pegou caiu em cima do pé do instrutor.
Foi ele quem ficou furioso.
Mas encontrou adversária à altura.
Não fosse um mocinho de camisa xadrez entrar na briga, eles teriam rolado pelo chão.
E derrubado todas as garrafinhas.
Simoninha saiu dali em tempo de ter um infarto.
Não tinha forças para nada.
Sua raiva queria destruir o mundo.
Mas só conseguia acabar com ela mesma.
Foi para casa chorando.
De raiva e de pena de si mesma.
Era noite de lua minguante.
Tempos depois, decidiu tomar remédio para aplacar a fúria da menopausa.
Antes que matasse um.
Acordou com uma baita espinha na ponta do nariz.
Não acreditou!
Aos 50 anos, com uma espinha e-nor-me bem na ponta do nariz.
Tentou disfarçar com creme, pó, blush, xampu, sabonete, dentifrício, desodorante.
Nada escondia aquela coisa.
E tinha que ir ao banco.
Justo naquele dia!
De óculos escuros e chapéu, entrou no banco.
A fila estava gigante.
Suspirou e encarou.
Tempos depois, quando faltavam apenas três na sua frente, uma senhora, que já devia beirar os 50, entrou na sua frente.
Simoninha arrancou o chapéu e gritou:
- Na minha frente você não entra!
- Tenho direito. Estou grávida!
Simoninha não se conteve: desatou num acesso de riso.
- Tá rindo do quê?
- Nunca vi avó ser mãe!
E completou bem baixinho no ouvido da outra:
- Não mexa comigo. Na menopausa sou capaz de morder sua barriga falsa!
A mulher saiu da fila e foi uma Simoninha sorridente que chegou finalmente ao caixa.
Era noite de lua nova.
Ricardo era o terapeuta de Simoninha.
Homem alto e grisalho.
Até então, nunca Simoninha tinha percebido que ele existia como homem.
Mas de uns tempos vinha percebendo o quanto ele era charmoso.
E não se fez de rogada: falou isso durante sua sessão.
Estava encantada com o charme dele.
Ele, claro, tratou como uma “transferência”, comum entre paciente e terapeuta.
Ela, claro, insistiu.
Ele declinou.
Ela enfureceu.
- Venho aqui há anos e nunca tinha notado você. Ora faça-me o favor! Você deveria ficar envaidecido. E quer saber? Enquanto você mora num duplex, eu entro no especial pra te pagar. Chega!
Não venho mais aqui!
Saiu batendo a porta.
Era noite de lua crescente.
Já não podia mais com tanta raiva dentro dela.
Isso não podia fazer bem ao seu coração.
Resolveu procurar a melhor amiga.
Sendo da mesma idade, poderia estar vivendo a mesma coisa.
Marcaram um encontro.
Não acreditou no que viu: uma mulher calma, tranquila e feliz da vida.
- Você só pode estar tomando hormônio!
- Absolutamente! Só trato com homeopatia.
- Mas então me conta o segredo.
- Não tem segredo. Apenas presto atenção nas coisas que gosto de fazer e as faço.
Simoninha saiu dali com a cabeça em chamas.
Já não sabia mais do que gostava.
Gastava tempo demais em reparar o que a irritava.
Chegou em casa, ligou o computador.
Passou a listar as coisas que gostava de fazer e uma delas era escrever.
Para sua surpresa, ao invés de uma lista, escreveu um conto.
Depois outro.
Mais outro.
Enquanto suas personagens ficavam cada vez mais enlouquecidas, Simoninha dava gargalhadas.
E percebeu que há muito não ria tão fácil.
No lançamento do seu primeiro livro, Simoninha era a felicidade em pessoa.
Era noite de lua cheia.
Desafio Literário
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