Coisa esquisita chamada família.
Estranho esse negócio de família.
Duas pessoas que não tem nada a ver na raiz, se grudam e passam a dividir a cama, os caminhos, os sonhos, as dores. As flores.
E ainda fazem filhos, pra tornar a coisa mais esquisita ainda.
Do nada, vêm essas criaturas chorosas para agarrar todo o nosso tempo, todas as nossas intenções, todos os melhores pedaços da nossa paixão. Todas as nossas sedes e paisagens.
Depois ainda vem os bichos.
Uns seres que pensam diferente, reagem diferente, comem diferente e que passam ser tão ou mais importantes do que nós mesmos, vai entender.
E essa história de família vai longe, porque os filhos vão fazendo brotar, na mais perfeita surdina, infinitas asas e, num belo dia, babaus. Foram.
O gozado disso é que quando eles vão embora, ficamos tanto alegres quanto tristes, vai entender.
E vamos tocando a vida. Quebrando o pau sempre que tivermos uma oportunidade, talvez só para ter o gostinho de fazer as pazes.
A vida vai mudando as linhas do seu roteiro, o nosso cabelo vai virando flocos de algodão, o nosso tempo começa a sua contagem regressiva.
Quando percebemos essas armadilhas da vida, já estamos no final da prorrogação, com o juiz louco pra voltar pra casa.
Então só nos resta olhar para a cria, olhar para a companheira, olhar para os bichos e abraçá-los dando nó de marinheiro, daqueles que não soltam nem por decreto, nem com toda força do mundo.
Depois de sentir o cheiro e a alma de cada um deles, inclusive aquela parte que nunca quiseram nos revelar antes, vamos entender, finalmente, todas ranhuras e véus que estão grudadas na sua pele, nos seus ossos, na sua mais profunda emoção, na sua mais soberba vontade.
Veremos, sobretudo, que só tivemos o fôlego para darmos o nosso primeiro passo, e certamente também o último, porque nos apoiamos nessa ribanceira maluca sempre que o chão se fundia em nada, sempre que virávamos a mais grotesca tradução do medo, da dúvida, da saudade.
E assim, por fim, entenderemos que de estranho esse negócio de família não tem absolutamente nada.
Estranhos somos nós.