Enquanto caminhava rumo ao meu ônibus
Enquanto caminhava rumo ao meu ônibus-integração-do-metrô para o Fundão, refletia sobre o que havia acontecido em minha casa minutos antes de eu estar ali, enquanto me arrumava para mais um dia de trabalho no estágio. Na verdade, pensei no que vinha acontecendo desde a noite anterior. Triste, esta é uma palavra que combina bem com o momento. O meu momento. Triste. Momento triste. É isso.
Por que ninguém me avisou que poderia ser tão difícil correr atrás dos sonhos? Tudo bem, alguém pode lançar o argumento segundo o qual ninguém também avisou que seria fácil, que é o tipo de coisa que descobrimos no percurso da vida, mas e daí? Não me entenda mal, não estou aqui reivindicando uma vida mais fácil. Quero apenas que ela seja justa.
Quando eu era pequena, bem pequena mesmo, eu sonhava com o dia em que teria um trabalho de verdade. E seria grande. E seria adulta, responsável, mulher, como aquela que eu via todo dia passando meu uniforme escolar, fazendo meu almoço e arrumando meu quarto de uma maneira inconfundível. A colcha da cama impecavelmente alisada, as almofadas ajeitadas com primor, cada objeto em seu devido lugar, em harmonia. Saudades do tempo em que a minha única preocupação era garantir que meu futuro teria alguma chance de sucesso. Na verdade, o estudo nunca foi uma preocupação, mas uma salvaguarda. De alguma forma, eu sempre tive a certeza de que era ali que estava a garantia de que eu seria alguém no mundo. O estudo é única herança que meus pais teriam para deixar para mim, isso é o que minha mãe não cansava de me lembrar.
Ser alguém no mundo. Curiosa definição, porque todo mundo é alguém no mundo. A diferença é o modo que cada um escolhe para ser. A minha escolha foi fazer o possível para garantir uma formação acadêmica em uma universidade pública, conseguir um bom emprego e retribuir tudo que fizeram para eu chegar até aqui. Sempre sonhei com meus pais em uma casa própria, sem as brigas por causa do aluguel. Sempre imaginei meu pai com um carro, se não novo, que pelo menos quase novo, sem a preocupação de enguiçar no túnel por problemas no carburador. Minha vontade sempre foi garantir o melhor ensino para minha irmã, porque sei a aluna inteligente e merecedora que é. Sempre sonhei em poder fazer tudo isso e ser feliz com meu trabalho, sem ouvir reclamações de que as contas vieram altas, sem qualquer tipo de discussões por causa de dinheiro. Ou melhor, por causa da falta dele. Quem um dia inventou a frase “dinheiro não traz felicidade” realmente era um rico, meio burrinho e infeliz, ou um pobre admirável, quem sabe fotossintetizante, que não precisava de dinheiro nem para comer. O mais correto seria, a meu ver, algo como “o dinheiro evita conflitos, o que, conseqüentemente, favorece uma vida feliz”. Como dizem os mais engraçadinhos, o dinheiro não traz felicidade porque dá muito trabalho. Ele manda buscar.
Com muito esforço, juntei uma graninha da bolsa de estágio e estou na auto-escola. Ah, dirigir, um dos meus maiores sonhos! Muito em breve estarei comandando o velho Fiat Uno vermelhinho, com muito orgulho. Nada de pensar naqueles que tentam destruir a felicidade desta minha mais nova conquista, nada de dar ouvidos a palavras que magoam, nada de me estressar com o pagamento atrasado da bolsa, nada disso. Quero apenas curtir o gostinho de dar mais esse pequeno passo à frente, pelas minhas próprias pernas. E não há tristeza maior do que ver alguém contestando isso. Alguém que amo (o que é pior), mas não entende, não sabe o que penso, ou parece não mais saber quem sou. Tristeza. O meu momento. Triste. Momento triste. É isso.