As Torturas de um Cartão de Crédito
 
        Estabelecida como objetivo a ser atingido pelo método de Marketing, a fidelidade é vista como espécie de iguaria mercadológica nestes tempos de escassez de consumidor e excessos de oferta. É um diferencial que, quando obtido, traz profunda alegria no gestor de marketing. Ao homem de mercado a conquista do consumidor fiel é uma espécie de “eldorado”.
        Uma das ferramentas mais efetivas e que atua de modo simbólico, mas que deve agregar efetivas vantagens utilitárias, são os chamados ‘cartões de fidelidade’. Neste caso, me permitam avaliar vivência particular, entretanto, dentro dos preceitos de um estudo de caso.
        Deste modo, o consumidor em questão serei eu mesmo, de modo que este terá o perfil seletivo, com gosto por oportunidades e opções de escolha, adepto do custo/benefício, porém fiel ao encontrar estas condições ofertadas. Isto posto, acabou por produzir um relacionamento comercial de mais de 15 anos com certo magazine com atuação em Shoppings e recentemente no setor de compra virtual.
        Reconheço a fidelidade, dado que ao chegar num Shopping acabo sempre procurando pela “marca” que, de modo geral, sempre atendia às minhas necessidades como consumidor. Pois bem, na última Páscoa, seguindo um de meus rituais de compra, me desloquei da cidade onde moro uns 45 km e fui à vizinha e bela Poços de Caldas, Ovos de chocolate para família, menos para mim em abstinência calórica, mas mantendo o calor afetivo.
        Compras feitas, ovos de Páscoa escolhidos, marca A para o pai, marca B para mãe, marca C para sogra, enfim, a cada um o seu devido chocolate, frente ao caixa, e com o cartão de crédito na mão, ao passar o plástico, para minha surpresa, (e até mesmo do caixa), a autoridade do programa de computador recusou o parcelamento de sempre. Será que é o Visa? Tentemos o Mastercard. Nada. E então a notícia esclarecedora: a Loja agora só faz a venda da forma que fazia se for usado o recém-criado cartão da Loja.
        A primeira reação foi olhar o cartaz que com letras garrafais que anunciava a venda em 10 parcelas. Então descobri que em letras bem mais miúdas estava escrito que as parcelas seriam em só quatro. E na explicação das opções percebi que esta foi a gentil abordagem que fizeram para me ofertar o cartão da minha, até então, Loja preferida.     
        Realmente irritado, nem tanto pelo valor, mas pelo que considerei uma falta de respeito, coisa completamente fora de moda mesmo, tomei a medida que achei mais correta e dispensei a compra. Fiz meu papel de consumidor-cidadão, mas estraguei meu raro dia com a família.
        Problema: os ovos continuavam para ser comprados. Já bem mais calmo, como é comum do temperamento dos descendentes da velha bota do mediterrâneo, (irritado sim, mas acessível e franco também, afinal, um relacionamento de tantos anos não se desfaz assim), nova viagem, agora Campinas, uns 120km. Costume é costume. E lá estou eu novamente numa unidade da tal Loja, já de cabeça fresca, agora sabendo o negócio que iria fazer e conformado em ter sido vítima de segregação comercial. Novas compras, e lá estou eu no caixa novamente para pagar segundo a nova regra. E então veio a oferta: “O senhor tem o cartão da Loja?” Bem, agora já sentia um bafejar de civilização, afinal se perguntava se eu queria, ao invés de me informar que eu tinha passado a ser cliente de segunda, em que pesasse minha fidelidade. “O senhor quer um?”     
        Realmente estou ficando velho, hoje se oferecem as coisas, antes a gente conquistava. Mas, enfim, sou adepto da tentativa de se atualizar. Já tinha esperado na fila que um alto-falante informava que eu não teria que enfrentar se tivesse o tal cartão...
“Fica!”, “Não quero”, “Fica!”, “Já esperei na fila!”, “Não vai demorar”... tanta insistência, que enfim resolvi me adaptar aos tempos modernos. A não demora demorou um pouco. Fui para um setor de cadastro. Incrível, mas depois de tantas compras, inclusive com cartão via internet, e por tanto tempo, ao invés de haver uma pesquisa com meus dados, lá estava eu fazendo um cadastro. Mas tudo bem, eu estava de bom humor.
         Antes, porém, de fazer questionei: “Você está dizendo que não tem custo?” e veio a confirmação “Sem custo. O senhor não quer o seguro? É tanto...”. Previdente, acabei aceitando este custo. Assinei papeis, e então veio a fila que não tinha, pequena é certa, mas lá estava ela, mas eu estava de bom humor.
        Sacola na mão, algum tempo a mais... coisa de uma hora e meia... é que não ia demorar... Mas eu estava de bom humor. Quase feliz, resolvi esquecer o assunto, consulta e remédios andam caros, melhor reduzir o stress.
        Ocorre que minha fiel fornecedora acabou por lembrar de mim, semanas depois, e recebo um telefonema em casa: “O senhor é difícil de encontrar!”. Eu, irritado: “Por que lhe devo satisfações de meus horários?”, e então: “É do cadastro da Loja, o senhor esqueceu de assinar...”, e antes que terminasse: “Não esqueci de assinar coisa alguma, fiz tudo o que me pediu, inclusive aguardei uma boa porção de minutos para ter meu crédito aprovado.”. ”Bem, é que me esqueci de uma assinatura... o senhor poderia vir a Campinas para assinar?”. Indignado: “Como? Você quer que eu me desloque 120km para assinar algo que esqueceu de me dar para assinar? Mande por sedex, por favor, que assino e lhe devolvo”, e veio a pérola: “É contra as regras da Loja.”, e mais indignado: “ E eu ser importunado ou não, consta nas regras da Loja? Irei a Campinas quando achar que devo ir; e sei que devo, portanto, mande as faturas conforme estabelecido que vou pagar”, e novamente, “Mas as regras da Loja...” E então: “Também tenho as minhas regras. Assim, arrume-se com as regras da Loja e depois me informe”.
        Não veio informação, mas chegou a fatura do tal cartão. Confesso-me novamente satisfeito, imaginei ter chegado à solução, mas foi só abrir o envelope para observar o item ‘anuidade’. Irritado novamente, liguei ao 0800, e informei que o cartão me foi ofertado, não só a mim como a quem estava na Loja naquele dia, “sem custo adicional” (vai saber o que significa isto...), e até tinha feito o seguro. E a mocinha do outro lado: “Tem custo, sim”, e eu: “Não aceito.”. Então: “Teremos que cancelar...”, e eu: “E como farei para pagar?”, “Isto não tem problema, vão as faturas.”, e decepcionado, me sentindo enganado: “Então cancele”.
        E finalmente chegamos ao fim.
        Ainda em Poços, como consumidor procurei o gerente e argumentei minha insatisfação, o chamado feed back. O cidadão parecia ter noção de marketing, até concordou comigo. Aliás, diga-se de passagem, em que pese a desagradável passagem, todos os funcionários, embora incapazes para resolver o essencial, eram sempre muito solícitos e sorridentes. Devem ter absorvido apenas parte do treinamento, ou talvez não tenham tido o treinamento adequado.
        Onde vou chegar? É simples: para se atingir um objetivo não basta uma prancheta, é preciso verificar a concretização dos resultados. Antes de buscar fidelidade talvez fosse mais barato pesquisar os seus próprios consumidores, ao invés de produzir um tosco esforço de vendas, empurrando um cartão ao consumidor. No mais, se quer fidelidade tem que dar vantagens adicionais, e não tirar as vantagens já existentes, como que punindo o consumidor por não ter o tal cartão de fidelidade. Eis aí uma logística desastrada, que empurra consumidores fiéis para o concorrente, de modo que: “Adeus, ingrata. Tchau, Loja infiel!”
         Doeu, mas vai passar. 
 
Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 09/05/2009
Reeditado em 14/06/2009
Código do texto: T1584838
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