SABIÁ

Um sabiá pousa no chão, próximo ao lugar em que, sentado confortavelmente numa cadeira de descanso, leio poemas de sóror Juana Inês de La Cruz, a famosa poetisa e dramaturga mexicana do século XVII.

É uma ave bonita, de peito alaranjado. Sábia-laranjeira. Bica sementes de acerola no chão. Eu a olho. Ela me olha. Percebe que não represento ameaça, então se tranqüiliza, achega. Eu me deslumbro. Penso em Gonçalves Dias. Como era mesmo a Canção do Exílio? Ah, sim: “Minha terra tem palmeiras/ onde canta o Sabiá/ as aves que aqui gorjeiam/ não gorjeiam como lá”. O poeta em Coimbra, saudoso do Maranhão, dos laranjais da fazenda em Caxias, onde perseguia os sabiás com seu estilingue.

Meu pai criava pássaros, na Bahia. Havia um enorme viveiro em nossa casa, repleto das mais diferentes espécies: sofrê, canário, curió, periquito australiano, azulão, pássaro-preto, sabiá. Lavávamos o viveiro todo dia, púnhamos comida e água. Isso às vezes incomodava, mas adorávamos acordar cedo, com o canto dos pássaros. Rubem Braga, escritor capixaba, também amava os pássaros, tema de suas inúmeras crônicas. Escreveu numa delas, Recado de Primavera, dirigida a Vinicius de Moraes, logo após a morte deste, em 1980: “O sinal mais humilde da chegada da Primavera vi aqui junto de minha janela. Um tico-tico com uma folhinha seca de capim no bico. Ele está fazendo ninho numa touceira de samambaia, debaixo da pitangueira”.

A ave nacional cava o chão, desenterra uma minhoca gorda, voa com ela no bico para o muro ao lado e, dali, para a sibipuruna vizinha, onde, creio, estão o ninho e os filhotes. Escutaram os trinados de alegria? Foi-se o sabiá. Chegam os pardais. Sabiá? Pardais? Que coincidência tocar agora no rádio a canção de Roberta Miranda, com os famosos versos: “Ah! Tô indo agora/ pra um lugar todinho meu/ quero uma rede preguiçosa pra deitar/ Em minha volta sinfonia de pardais/ cantando para a majestade, o sabiá”. Esqueço Juana Inês de La Cruz. Fecho os olhos. Adormeço.

Adeblando Alves
Enviado por Adeblando Alves em 09/05/2009
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