Um Homem de Moral

“Ronda” é dessas músicas a que se recorrem quando nada mais funciona para outra rodada de papo e cerveja. Como já disse o Chico:

"vem a noite mais um copo, sei que allegro ma non troppo você vai querer cantar e na caixinha um novo amigo vai bater um samba antigo prá você comemorar, sei lá o que..."
 

"Ronda" une velhos amigos que se conheceram há 15  minutos no bar e que dizem em uníssono e com toda a solenidade e sabedoria que só ocorre no estado etílico de clarividência : "É isssss aí"...
   
 " De noite eu rondo a cidade a te procurar sem encontrar
No meio de olhares espio em todos os bares você não está
Volto pra casa abatida desencantada da vida
O sonho alegria me dá nele você está
Ah, se eu tivesse quem bem me quisesse esse alguém me diria
Desiste, esta busca é inútil mas eu não desistia
Porém, com perfeita paciência volto a te buscar
Hei de encontrar, bebendo com outras mulheres
Rolando um dadinho,  jogando bilhar
E neste dia então vai dar na primeira edição
Cena de sangue num bar da avenida São João."  

O autor é um renomado cientista, diretor do Museu de Zoologia da USP por mais de 30 anos, médico formado que ainda encontrava tempo e motivação para compor entre uma pesquisa e outra, nos momentos solitários em expedições pela Floresta Amazônica, no laboratório da USP ou no lotação em que ia para o trabalho.  Dá para entender ?
 
De origem aristocrática, nas suas viagens pela mata lia no original obras completas de autores clássicos mas também conversava em pé de igualdade com os caboclos.  Paciente e auto-crítico, lapida por anos a fio as letras até transformá-las em joias raras, mas nem por isso fica satisfeito. Rabugento, diz como quem quer dispensar logo o jornalista que ousa se aproximar: " Olhaquí, eu não gosto de povo individualmente, mas de povo eu gosto". Dá para entender ?

Tem entre seus amigos mais próximos, além dos parceiros habituais de bar e cerveja, o próprio Chico Buarque, Paulinho da Viola e Martinho da Vila, que “muy amigo”, disse dele que é " o cara mais sem ritmo que você pode conhecer". Dá para entender?

Compôs uma das letras mais inspiradas da música Brasileira: “Boca da Noite” que Toquinho enfeitiçou de sons e que eu não me atrevo a reproduzir mais do que uma parte, por respeito e cuidado:

" Cheguei na boca da noite e parti de madrugada
Eu não disse que ficava nem você perguntou nada
Na hora que eu ia indo, dormia tão descansada ...
... Quando o galo me chamou, eu parti sem olhar pra trás
Porque, morena, eu sabia, se olhasse, não conseguia
Sair dali nunca mais..."  

Mas,  lá nos idos dos anos em que vivíamos em perigo já havia dado uma  “Volta por Cima” com Noite Ilustrada. Quem tem mais de enta  é impossível não lembrar:

“...Um homem de moral não fica no chão nem quer que mulher
Lhe venha lhe dar a mão. Reconhece a queda e não desanima
Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima."


São, entre infelizmente nem tantas outras, palavras desse grande homem hoje com 85 anos e prestes a ser homenageado com o documentário “Um homem de moral”

Claro que dá para entender:
Paulo Vanzolini. 
 
 

Nilsson
Enviado por Nilsson em 07/05/2009
Reeditado em 29/06/2009
Código do texto: T1581470
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