GENTE HUMILDE?



Aquele já teve oportunidade de viajar pela imensidão das terras amazônicas, sabe o quanto a embarcação – por embarcação entendamos qualquer coisa que flutue – é importante para os habitantes desta região anfíbia. A canoa é usada, onde em outras plagas se usaria a bicicleta ou o cavalo, mesmo na lida com o gado. Talvez seja por este motivo que em muitos lugares é chamada de “montaria”.

Sempre me chamou a atenção a enormidade de nomes religiosos com que os donos de embarcações as “batizam”. Claro que as pequenas “montarias” de vinte palmos ou mais não têm nomes. Estes minúsculos e perigosos veículos que são visíveis nas cristas das ondas e que desaparecem entre elas, parecem só se manter à tona pela habilidade do ocupante, qual motocicleta que só se mantém em pé, enquanto está em movimento, são ocupadas por viajantes de todas as idades. Mas qualquer embarcação que recebe um uma máquina propulsora logo recebe um nome.

O senhor Malato, numa cidadezinha chamada Ponta de Pedras, na Ilha do Marajó, um dia me expôs seu ponto de vista. Explicava ele:

- Quando algum ribeirinho consegue, por muito sacrifício e provação, construir um barco e instalar uma máquina nele, ele fica muito ufano, como se tivesse conquistado o mundo. Às vezes é um motor diesel de 4 a 7 cavalos de força, e o casco não carrega mais que 3 a 4 toneladas. Aí ele põe um nome do tipo: ‘Deus é Bom Pai’ ou ‘Jesus me Deu’, com o coração repleto de gratidão. Mais tarde ele constrói um casco maior, com ajuda da família, vende o menor, mas instala a mesma máquina no barco novo. Ai ele troca o nome do barco para ‘Deus é Pai’ ou então ‘Dois Irmãos’ e segue a vida. A medida que o barco vai aumentando ele vai trocando, para o nome do rio, ou da comunidade de onde ele é originário.

- Contudo, quando ele consegue um barco grande, para 100 toneladas, ou mais de cem passageiros, ele coloca nele o seu próprio nome, antecedido por ‘Comandante’, ou ‘Almirante’. Não raro, coloca nomes mais pomposos como ‘Barão do Tapajós’ , ‘Rei do Solimões’ ou outro.

Jamais vou esquecer uma lição que este senhor idoso me transmitiu:

- Chamar a um pobre de humilde é uma grande mentira. Basta que ele tenha um mínimo de dinheiro para revelar sua arrogância.

Infelizmente tenho de concordar com ele.

Obs. Esta história é anterior à introdução da rabeta, que hoje está engordando aqueles que antigamente remavam pelos rios da Amazônia.

Luiz Lauschner
Enviado por Luiz Lauschner em 06/05/2009
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