UM RIO, A MONTANHA, UMA INFÂNCIA - A SAUDADE (Governador Valadares)

... Naquela época éramos apenas crianças brincando no telhado do galinheiro, procurando ovos de lagartixa. Gostávamos de sua fragilidade e leveza e acabávamos lançando-os ao chão, só para vê-los partirem-se.

Corríamos pela chuva procurando enxurradas para nossos barcos de papel. Apertávamos o barro em nossas mãos pequenas e, artesanalmente, fabricávamos panelinhas e suas tampinhas. Colocávamos no sol para secarem e, se ele demorava pra aparecer, secávamos junto ao fogão perto da chapa de ferro...

O quintal era grande. Muitas árvores. Todo espaço de que precisávamos para sermos livres. E ali crescemos, quebramos alguns ossos, brincamos de pique, fizemos desfiles de moda, usando as roupas antigas de seda e cobertas de renda de mamãe, e com tijolos e gravetos alguns “deliciosos” cozinhadinhos... Escolhiamos gravetos verdes misturados com os secos e nossos olhos ficavam vermelhos de tanto soprar para acender o fogãozinho. O maior prazer dos irmãos e primos era roubar nossa comida, mesmo que com todo aquele cheiro e gosto de fumaça.

O rio e a montanha me fascinavam. A montanha era algo majestoso, imponente e, suavemente, pura. Ver o sol se pondo por trás dela, com raios rosados, nas tardes de verão, era lindo... Não posso explicar a magia e o esplendor daqueles momentos. Sei que ficaram dentro de mim e hoje me parece saudade.

Corríamos no meio das madeiras empilhadas, subíamos pelas caixas de tacos acima, escalando toras e amassando o pó de serra com nossos pés descalços. Fabricávamos móveis de sala com os tacos de madeira e pregos, como marceneiros e este é o sangue que corre nas veias de nossa família. Nosso bisavô veio da Itália e a única coisa que trazia nas mãos, quando desembarcou no Espírito Santo junto com tantos outros italianos em busca de sonhos na América, era sua caixa de marceneiro.

Nas noites de junho, erguia-se uma enorme fogueira de São João no meio da rua... Uma rua que era nossa! Meu pai e tios compravam batatas doces, milho verde para serem assados e muitos fogos de artifício. Cada um de nós ganhava uma caixa cheia de muitos deles e isto era para nós um tesouro. O que mais nos divertia, em nossa perversidade infantil, era colocar bombas debaixo da cadeira da vovó, sem que ela visse, claro! (risos). Acho que seu coração foi tão testado que por isto viveu tantos anos (risos). Quando partiu, deixou um vazio grande porque nossa avó era incrivelmente engraçada e folclórica. Até hoje imitamos seus gestos, seu sotaque carregado e contamos suas histórias, rindo do mesmo jeito como se fosse ontem...

Hoje tudo isto me parece tão perto e tão distante. Na verdade, crescemos e que bom que tudo isto ficou aqui dentro e que o tempo não pode fazer-me esquecer.

Acredito que quando morrer vou levar comigo estas lembranças também. Existirá sempre pra mim um lugar de sonhos e felicidades, união e seguranças. Um lugar margeado por um rio e de onde, de qualquer lugar que se olhe, pode-se ver a montanha.

Governador Valadares (MG) - Glaucia Tassis

GLAUCIA TASSIS
Enviado por GLAUCIA TASSIS em 06/05/2009
Reeditado em 09/05/2009
Código do texto: T1578741
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