Súplica Social
Passei ao lado de uma escola pública, num dos bairros mais nobres da Capital: custo do metro quadrado alto, padrão de vida dos moradores idem. Só casas grandes com piscina, sauna, churrasqueira, grades, câmeras, cercas eletrificadas e cachorros bem fornidos com caras de poucos amigos. Bem próxima, há uma invasão, eufemismo usado pelo GDF para se referir às favelas de Brasília.
Obviamente é aos filhos desta última que a escola atende mais. Poucos são os moradores das mansões que mantém lá suas crianças.
A escola é mal afamada. Tem turmas da quinta à oitava séries. Adolescentes típicos, entediados e rebeldes, confusos entre as responsabilidades de crescer e a vontade de serem logo donos de seus narizes. As drogas são como um fantasma sempre à ronda, as brigas são constantes e alguns professores temem por sua segurança.
Vinha no carro ouvindo Súplica Cearense, de Gordurinha e Nelinho, na voz do Fagner. Bonita a música. É uma oração, feita em palavras simples do sertanejo sofrido, castigado sempre, ora pela seca, ora pelas enchentes. Tocada pela beleza da música, vi um grupo de alunos enfileirados na quadra de esportes da escola. Seguindo as orientações do professor, cada um se posicionava e tentava um lançamento na tabela de basquete. Não sei se foi por causa da música. Talvez pela conhecida má fama da escola. Ou por saber que as artes e o esporte, além da fé, têm este enorme poder de formar jovens cidadãos. Só sei que senti-me profundamente emocionada. Como quem vê preces sendo atendidas. Deu vontade de pegar carona na voz do Fagner e pedir a Deus para proteger esses meninos, salvá-los das desgraças desse mundo tão injusto.
Vejo uma senhora caminhando ao longo do meio fio, esperando minha passagem para atravessar. Em sua camiseta, uma enorme estampa com a imagem de Jesus Cristo, um lindo sinal para reforçar meu momento de fé.
Para completar, um pouco mais à frente uma outra mulher também esperava passagem. Sua barriga enorme anunciava um nova vida para breve. Quer sinal maior de esperança no futuro do que alguém se propor a gerar uma nova vida num mundo tão complicado?
Era o sinal que faltava, a mensagem de esperança que eu precisava ver num dia em que amanheci meio desencantada com o Brasil, com o mundo, com a espécie humana. Por ver o quanto somos egoístas, preocupados apenas com o nosso próprio umbigo, o planeta que se acabe, os jovens que se danem, os pobres que se explodam em sua miséria infinita, desde que fiquem de fora do nosso território.
São símbolos: música, educação, esporte, pessoas com fé e mães.
Símbolos que me tocaram profundamente. Sem saberem, alegraram meu dia, encheram-me de esperança num futuro melhor.
E rezo, parodiando Fagner:
Meu Deus, se eu não rezar direito o Senhor me perdoe,
Eu acho que a culpa foi
Dessa pobre que nem sabe fazer oração
Meu Deus, perdoe eu encher os meus olhos de água
Abençoe este povo cansado de mágoa
Proteja e os ampare em sua mão
Dê chance ao jovem, à criança, ao idoso, à mulher
Não os deixe sofrer desgraça qualquer
Dê emprego, dignidade, esperança e fé.