RECEITA DIFÍCIL
Ela abriu os olhos, mas não estava acordada ainda. A noite não foi suficiente para repor as energias, mas me sorriu e disse que se levantaria apenas para comer as coisas gostosas.
Entre um gole e outro de café, olhos fechados, dormindo na mesa,
me disse que a noite não tinha sido boa. Não quis falar a respeito.
Com certeza, de coisas que acontecem e nem valem a pena serem ditas, coisas que a gente nem acredita que estejam acontecendo conosco... Talvez, por isto o sono prolongado.
Mastigava, mas não queria remoer. Mordia as torradas, cobertas com uma camada fina de geléia de damasco e a omelete por cima. Bebia o café puro, sem açúcares, porque não adoça nada. Prefere o sabor natural, mesmo que azedo ou amargo. Abria os olhos de vez em quando e me olhava. As pálpebras pesavam e os olhos se fechavam de novo, sem me deixar lê-los por completo. Não sorria, não chorava, apenas me olhava e eu via lá no fundo de seus olhos...Sei que me pedia ajuda, mas não era hora ainda. Mais tarde, quando enfim desperta por completo, seria a hora de alimentar esta alma que cresce.
Aconselho perdões e compaixões, porque são mais necessárias para o Equilíbrio. Colocar mágoas e rancores na bagagem porque? Melhor deixar espaços livres para as alegrias e esperanças. São mais leves.
Mais tarde, quando enfim desperta por completo, seria a hora de alimentar esta alma que cresce. Fazê-la refletir e aprender com os erros, inclusive os dos outros, e, assim, como não adoça o café, curtir o amargo com o sabor que ele tem... e, assim, como o estômago, se incumbir de digerir e selecionar o que é bom que fique com ela.
Ensiná-la que "é inútil dormir que a dor não passa"?
Difícil esta receita...
(..."Não, ela não era tola. Mas como quem não desiste de anjos, fadas, cegonhas com bebês, ilhas gregas e happy-ends cinderelescos, ela queria acreditar [...] que o amargo do café é preciso para acordar e que dormir em cima dos problemas os faria um sonho...")
Glaucia Tassis