SR. FUTURO
Estou tendo que fazer um grande esforço de memória. É que depois da internet a piada está perdendo a graça para quem navega sempre. Em todas as rodas em que estou, vou contar uma e me tiram logo:
- Essa é velha, conta outra.
Ou então ouvem para não ser deselegantes e depois dão aquele sorriso amarelo. O que para mim é pior do que mandar contar outra. Ainda bem que a memória tem dado um auxilio luxuoso (de vez em quando). Por isso, recorro aos causos, que são mais raros na net.
Na minha cidade havia uma grande obra de expansão da empresa de mineração e foram contratados milhares de trabalhadores nas empresas que tocavam o serviço. Uma delas era a responsável pela construção de um imenso galpão que serviria de oficina de manutenção das máquinas e caminhões de minério. A equipe era comandada por um mestre vindo do nordeste, viajado, experiente, um líder carismático no meio da peãozada. Chamava-se Arcanjo Isabelito Salustiano, mas gostava de ser tratado como Seu Futuro. Gostava de ser tratado assim porque dizia resolver tudo aqui, agora e não deixava nada para trás, nem para frente.
Era muito requisitado pela empresa e vivia num corre-corre atendendo a solicitações várias em todos os lugares onde a empresa tinha serviços. Resolvia problemas estruturais, geológicos, hidráulicos, elétricos, mecânicos, gripe, sarampo, cachumba e unha encravada, se bestassem com ele.
Num retorno de uma dessas andanças, vinha num avião pequeno fretado pela firma para resolver outro problema urgente na obra e viu, lá de cima, que algo saía errado na construção. Mandou o piloto fazer um vôo rasante ali perto e disse:
- Nem precisa parar, é só diminuir a velocidade. Feito isso, pulou a já foi logo mandando desmanchar e refazer tudo. Afinal o patrão (a mineradora) havia contratado os serviços por um preço muito alto e não admitia falhas.
Seu feito maior foi com o seu time de futebol. Ele criava essas técnicas de RH para relaxar o pessoal e manter a equipe unida, mesmo se no campo os trabalhadores quase se matassem de pancadas para tirar o estresse dos serviços pesados e das cobranças, baixos salários e outras atrocidades por que passam os peões da construção civil.
Organizou um campeonato na cidade e levou lá o seu time, que, chegou à finalíssima, graças a sua bem elaborada técnica futebolística. Ocorre que no dia do jogo decisivo havia sido requisitado mais uma vez para resolver um daqueles problemas que só ele resolvia.
Conseguiu chegar ao jogo já no segundo tempo e seu time perdia, aos 30 minutos por 11 x 0. Começou a fazer as substituições e dava em nada. Faltando 8 minutos para terminar o jogo, já perdiam de 14 x 0. Pensou rapidamente, olhou para o banco de reservas, fez aquela cara de desprezo e resolveu entrar ele mesmo. Tirou o camisa 10, tomou ali na beira do campo o seu uniforme, vestiu e entrou. Técnico e dono do time e do campeonato tinha que ter o direito de jogar também, segundo suas próprias regras.
Fez doze gols e deu passe para mais três, na estrondosa vitória por 15 a 14.