O VELÓRIO DA MINHA MÃE

Recebi um telefone às nove horas da manhã dizendo que a minha mãe havia morrido. Pedi para a minha irmã ficar calma que eu já estava indo para lá.

Chegando lá já havia diversos vizinhos e ainda só estava a minha irmã que morava com ela.

A minha mãe havia tido um enfarte, mas todos nós já estavamos aguardando o seu fim devido ao estado dela, que, como ex fumante, já tinha problemas de pulmão e pela debilitação causada pela idade, setenta e oito anos.

Ela foi uma boa mãe, sempre fez o que pode, dentro das suas condições,para nos bem criar. 

Teve uma vida díficil, criando cinco filhos sózinha, pois meu pai, como já escrevi em outra crônica era da marinha mercante e por isto, muito ausente.

Tinha seus problemas, como todo mundo, e como minhas duas irmãs, mais novas do que eu, sempre tinham problemas de saude, a atenção sempre era mais exigida para elas. Ela criada naquele sistema que casamento é um só, se condenou a uma vida que poderia ter sido melhor. E mais tarde acabaram mesmo se separando, mas aí nós já estavamos todos grandes.

Eu não a visitava muito, mas sempre dava uma ligadinha para ver como é que ela estava e atento ao que ela precisasse.

Toda vivência de morte traz para nós experiências, principalmente quando conhecemos a fundo a pessoa falecida. De todos os irmãos eu era o que ela mais gostava e o que menos a visitava rss e isto deixava minhas três irmãs, que estavam sempre mais próximos dela, iradas.
Só que iam lá só para levar problemas ou criar algum incômodo para ela. Eu já, mais gato escaldado, sabia sempre levar a conversa para assuntos mais amenos e ela se divertia mais, e elas ficavam se mordendo.

Mas foi o primeiro enterro que eu tive de tomar a frente para dar andamento nas partes legais e deu para ver como é complicado, para os vivos, cuidarem desta parte.

Eu pagava o plano médico para ela e uma das minhas irmãs pagava um plano funeral há muito tempo. Então esta parte estava resolvida, só que tinhamos que encontrar o médico que tratava dela e ele estava em cirurgia e só poderia nos receber no final da tarde e, mesmo assim, teriamos que levar o corpo lá no hospital.

Eu queria fazer de tudo para que o enterro fosse feito no mesmo dia, pois eu acho que ter de passar uma noite em vigília é muito desgastante para todos. Inclusive no Rio de Janeiro, à noite, já é fechado, devido à segurança e só reabre de manhã.

Bom, chegou o veículo da funerária do plano e eu expliquei para o encarregado que o médico só poderia atender no final da tarde e eu gostaria de resolver logo, se fosse possivel, e perguntei se não teria algum procedimento para agilizarmos.

E ele falou que teriamos de ir até uma cidade próxima, onde um outro médico conhecido poderia ver o caso, mas que teriamos que levar o corpo até lá.

Precisaria de duas testemunhas da familia, então fui eu com a minha esposa e uma sobrinha minha nos seguindo, no carro dela. E começamos a viagem, era uma cidade na região metropolitana, mas uma das mais afastadas e eu ainda não a conhecia. Fomos então indo na frente o carro da funerária, eu atrás e a minha sobrinha nos seguindo.

O cara da funerária não aliviava no acelerador, mandava bala,  e eu que nunca gostei de seguir ninguém, e sim de ir na frente, ficava preocupado em como estaria a minha sobrinha que fez questão de vir no carro dela.

E dê-lhe pau, nunca esperava que aquela cidade fosse tão longe, mas agora não dava para voltar atras. Comecei a achar que ter esperado o outro médico teria sido o acertado, mas não dava mais e depois de quase uma hora chegamos lá. Era numa clínica e o médico fazendo alguns exames e vendo os sinais do infarto e a par dos exames anteriores deu o atestado nescessário.

Pela filosofia que eu sigo, cujos livros são editados pela Ordem do Graal na Terra, tenho conhecimento que o corpo fino da pessoa falecida ou alma, como queiram, fica ligado ainda ao corpo até que todos os fios sejam desligados. Fato que leva alguns dias, tempo em que a pessoa fica ligada ao corpo e vê tudo o que acontece ainda à sua volta, só que com os sentidos sensoriais do novo corpo.

Cabe até uma trecho que consta em 'Na Luz da Verdade' de Abdruschin, que diz o seguinte:


'O cumprimento incondional das leis da vontade divina ou da natureza verificou-se também no ressucitar de Lázaro, bem como no moço de Naim. Estes puderam ser ressuscitados por que o cordão de ligação com a alma ainda subsistia. Ante o chamado do Mestre, pôde a alma se tornar novamente una com o corpo. '

Então eu ficava imaginando o que a minha mãe não devia estar sentindo naquela hora vendo aquela situação insólita, com toda aquelas idas e vindas e com gente que ela nunca tinha visto. Com certeza ela ia sentada dentro do veículo acompanhando o corpo, mas que continuava vendo tudo o que acontecia à sua volta.

Lá fomos nós de volta à Curitiba e, nesta, já era perto de meio dia. Perguntei ao rapaz da funerária que horas, mais ou menos, que as pessoas poderiam se dirigir ao cemitério aonde seria feito o velório. Ele falou que mais ou menos umas 14:00 já estariamos lá. Avisei todo mundo.

Bom, depois de toda aquela viagem de volta fomos à central de luto da cidade. Nesta altura já era umas duas horas da tarde quando saimos de lá, e ai o rapaz da funerária falou que, infelizmente, ainda teriamos que passar na funerária da 'vez', lá em Curitiba, pois ele era situado em outra cidadezinha metropolitana, e era o credenciado pelo plano pago pela minha irmã. Eu já estava fulo com o rapaz, que só ia dizendo as coisas por etapas, todo hora surgia uma nova.

E enquanto aguardavamos lá na Central de Luto, o corpo da minha mãe, coberto com um lençol ficou, claro, dentro do carro que ficou estacionado na rua, onde quem passava não tinha como não ver o corpo da falecida dentro do mesmo. Era uma situação muito conflitante. Um desgaste enorme para mim que ficava pensando que, nesta altura, as pessoas já deviam estar lá aguardando para o velório há muito tempo.

Já passava das três da tarde e fomos lá para a funerária 'da vez' para que dessem o aval para que esta outra, a do rapaz, pudesse realizar o velório e todos recebecem a sua parte.

E aí quando achei que o pior já estava feito o rapaz disse que agora teriamos que seguir até uma outra cidadezinha metropolitana, onde ficava a sede da sua funerária, para preparar o corpo, mas pelo menos esta era no caminho.

Nesta altura já passava das quatro da tarde e eu imaginava o pessoal lá aguardando impaciente, pois não paravam de me ligar cobrando pela demora.

E a minha mãe ali, neste vai e vem para lá e para cá.

Eu acho que ela nunca andou tanto de carro na vida, num mesmo dia, coitada.

Ficava imaginando ela lá, sem entender nada, e principalmente vivenciando tudo aquilo, e sem saber que mundo era aquele em que ela estava agora e que era tão diferente daquilo que os seus religiosos viviam dizendo nas pregações que ela assistia.

Quis assistir a preparação do corpo, para que ela não ficasse sózinha, sem familiares, mas os funcionários me desaconselharam, pois não seria bonito de ver, e eu fiquei imaginando o que eles não devem fazer para que os corpos fiquem daquela forma como os vemos dentro do caixão, pois o corpo, após a morte, fica enrigecido, na forma que ficou na hora da morte, principalmente quando foi, que nem no caso dela, a muitas horas, pois morreu a noite quando estava tentando se levantar.

Depois de mais uns quarenta minutos, pronto, poderiamos seguir para o velório.

Chegamos lá quando já era umas cinco horas da tarde e achei que iam me 'linchar', mas ficou tudo bem e consegui que tudo fosse feito no mesmo dia, como  eu queria, e não me arrependi. O cemitério permitiu que a velação fosse até às sete horas, quando o normal seria até às seis da tarde.

Cheguei junto a uma irmã, uma pessoa que sempre tinha tido uma atuação muito desagregadora e feito a minha mãe sofrer muito e que não saia do lado do caixão, egoisticamente, e sem parar de chorar e lhe disse, do melhor modo possivel, que procurasse não mostrar tanto sofrimento, pois a nossa mãe ainda estava ali e que sofria com tudo o que via e que, por isto, deveriamos ser mais serenos, pois ela ia tentar nos consolar e não conseguiria, pois não tinha mais o corpo físico para que isto acontecesse.

Achei que ia dar um 'barraco', pelo temperamento dela, mas felizmente ela se conteve, só me fusilou com os olhos, mas ficou por isto mesmo, já que a minha mulher estava comigo e fez um sinal concordando para ela. Ufa, escapei.

Senti, um pouco depois, uma leve sensação, como se fosse  uma pluma passando no meu rosto, um pequeno sopro, e aí fui para longe e chorei forte alguns minutos. Não voltei mais para junto do caixão, já tinha tido a minha despedida, até que chegou a hora da oração, para que o caixão fosse fechado, ai eu voltei para o recinto.

Mais um fato surreal, a minha irmã que me 'fusilou' com os olhos tinha se tornado evangélica, junto com uma outra minha irmã, até aí tudo bem, tsó que levaram um religioso da linha delas,e não um da linha da falecida. E este falou no final das suas palavras, assim como falaria, provavelmente, também o religioso da linha da minha mãe, o seguinte:

'Que naquela hora a minha mãe já estaria segurando a mão de Jesus', como se mesmo, hipotéticamente, Jesus poderia receber todos os mortos daquele dia, dando a mão, o que em sí, pelo número de mortos ocorridos ao redor do mundo, já seria algo impossível. Rídiculo.

Eu fiquei imaginando a cara da minha mãe do lado de lá. Ela nunca tinha pensado muito no assunto 'pós morte', a não ser no que os religiosos lhe diziam nas missas, mas começou a me fazer algumas perguntas sobre espiritualidade e como seria o mundo do lado de lá, só algum tempo antes de morrer.

Eu imagino a cara dela, primeiro por ter sido um religioso que não era da sua linha, e depois por estas palavras ditas, enquanto ela estava ainda ali, presenciando tudo, sem nada entender e ligada e olhando para aquele corpo como se fosse uma casca que lhe tinha sido tirado.

Só que ela não sabe é o porquê de ainda nos ver, quando na realidade ela não está vendo o nosso corpo físico, mas sim o corpo que temos também e que é igual ao que ela tem agora e que irá, quando se desligar do corpo, ao seu plano, de acordo com a sua gravidade espiritual. Mas que mesmo na melhor evolução que possamos ter, nunca chegaremos ao plano divino, onde se encontra Jesus e que se situa bem acima da nossa origem e que já existia antes do 'Faça-se a Luz'.

Falando-se na linguagem de 'degraus', podemos dizer que iremos sim, a um dos degraus do trono de Deus, mas no degrau da nossa origem, surgido bem após o 'Faça-se a Luz', e que é bem, mas bem abaixo do plano divino. Um dos últimos.

É tão longe daquele plano divino que, por isto mesmo, pela distância dele, ao descermos para a matéria para termos o nosso desenvolvimento e fortalecimento pudemos, com o uso errado do nosso livre arbitrio, criarmos tantos horrores, como os que vivênciamos nos dias de hoje, e, ao invés de nos desenvolverrmos, afundamos e nos prendemos cada vez na matéria ao invés de ascendermos para paragens mais elevadas


'A felicidade provém do íntimo, daquilo que o Ser humano sente dentro de sí mesmo'
Roselis Von Sass -
www.graal.org.br