MÃE

MÃE

Minha infância foi passada na casa da minha avó materna, com quem meu pai, minha mãe, minha irmã e eu morávamos. Embora de diferentes temperamentos e diferentes gerações, a harmonia reinava naquela casa da rua Fonte da Saudade. Não era uma casa grande mas havia conforto e da varanda do andar superior avistava-se a Lagoa Rodrigo de Freitas. Na frente havia um pequeno jardim e nos fundos uma goiabeira, um mamoeiro e um pé de abio. Na passagem ao lado da casa, que serviria de garagem se tivéssemos carro, papai armou um balanço, com duas cordas e uma tábua. À tarde, de banho tomado, eu me sentava no balanço e sonhava. Imaginava, entrando pelo portão, um príncipe encantado montado no seu cavalo branco. Mas, muitas vezes, o meu arroubo e impetuosidade me fez cair no cimento duro. Eu vira, no circo, as crianças subindo pelas cordas e comecei a praticar tal arte. Fazia tão rápido que impressionei minhas amiguinhas. Contei a elas que minha mãe havia deixado eu trabalhar num circo. Elas foram perguntar se era verdade e mamãe me botou de castigo para eu não “ter idéias”.

Excelente dona-de-casa, cozinhava e costurava nossa roupa. Quando acabava de fazer as tarefas domésticas, sentava na sala e buscava um livro de históriaS para ler pra nós. Não só lia como interpretava e inventava melodias para as canções que o príncipe cantava para a princesa. Lembro-me de uma história infantil que se chamava a fada das bonecas. Esta fada todas as noites percorria as casas onde havia bonecas, para saber delas se suas donas as haviam tratado bem. Se não as tinham deixado sem roupa, no chão, de qualquer maneira. Se as meninas tivessem vestido suas bonecas e colocado nas caminhas, quando dormissem a fada fazia com que elas tivessem lindos sonhos. Caso contrário, eram premiadas com pesadelos. Eu morria de medo e, mesmo não gostando de brincar de boneca, as arrumava antes de ir dormir, para não haver reclamação contra mim.

Não apenas contos de fadas eram lidos. Também poemas eram recitados. Minha mãe havia estudado declamação e, da mesma forma que cantava enquanto estava lendo as histórias, interpretava o que recitava. Lembro-me hoje, tantos anos depois, de um poema que falava de um passeio de Santo Antônio fora do convento. Quando ele se sentou para descansar, o Menino Jesus veio brincar com a corda do seu hábito. Nesse momento um casal de namorados, que não viu o Frei, vinha vindo pelo caminho e parou para se beijar. O Pequenino perguntou inocentemente ao santo que barulho era aquele e, como ele não soubesse o que responder, disse: “Se o Menino Jesus pergunta mais, queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora”.

Senti saudades da minha mãe e, no computador, acessei o Google. Escrevi os dois versos de que me lembrava e imediatamente apareceu na tela a menção do poema, de Augusto Gil , chamado “O passeio de Santo Antônio”.

Que maravilha! Uma viagem no túnel do tempo. Mamãe viva ao meu lado, declamando e contando histórias que foram forjando a escritora que sou hoje e uma pretensa poetisa. Mas o amor pela literatura e pela poesia eu devo a essa mulher forte, sensível, trabalhadora, atenta e, principalmente, a melhor mãe que eu poderia ter tido.

Gilda Porto
Enviado por Gilda Porto em 04/05/2009
Código do texto: T1575308
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