JÁ PASSA DA MEIA NOITE E EU CONTINUO CINDERELA
Quando eu era mocinha, tinha um diário e tudo indica que essa mania continua entre as jovens. Minha neta de dez anos tem um, e, pelo visto, é possuidora de muitos “segredos”, pois o mesmo é trancado com um pequeno cadeado.
Este preâmbulo foi feito para dizer que, se eu ainda tivesse um diário eu teria começado as anotações deste domingo que acaba de findar, desta maneira:
7:30: Querido diário, acordei agora, tô levantando, levantando o corpo literalmente, enquanto a cabeça pensante teima em permanecer sob os lençóis invadida que anda pela cruel dúvida shakespereana de “ser ou não ser, eis a questão”.
8:13: Postei uma crônica lá no Recanto, que fala do sentimento do desencanto, houve quem dissesse que as minhas personagens são tragicômicas, estão ultrapassadas no tempo e que os meus deuses do amor passeiam em terras distantes, sufocados na sua própria inexistência. Enfim, que já não se ama como antigamente. Não discuto, talvez seja eu a última romântica. Deve ser isso mesmo, afinal, tudo o que foi e é criado vai abismar-se no nada. Está passado. Ultrapassado
8:30: Recebi flores vermelhas...
8:40: um telefonema, convite para almoço... Convite aceito. Hora marcada, 13:00 horas...
00:05: Querido diário, neste espaço de tempo entre 8:30 e 00:05, o que posso acrescentar é que o almoço aconteceu entre pessoas de idades diferentes, mas de pensamentos e idéias convergentes e de maneiras que vão ao encontro do meu jeito de ser. Bebemos um bom vinho, conversamos, trocamos confidências, falamos de sentimentos olho no olho e o que mais me alegrou foi sentir que a jovialidade de quem me acompanhava não era empecilho para alcançar a visão que eu tenho sobre tantas coisas nas quais eu acredito, inclusive sobre o amor, amor “à moda antiga”, amor que manda flores e é capaz de gestos delicados, como o de segurar tua mão por debaixo da mesa e te olhar com um sorriso encabulado, procurando compreensão pelo ato.
Assim, querido diário, encerro estas anotações e embora já passe da meia noite, continuo me sentindo Cinderela sem ter medo de voltar à gata borralheira, sonhando sim, com quem me fez feliz por momentos, mas não na espera que me venha experimentar o “sapatinho”, basta só eu saber que existe e que basta só abrir a porta para encontrá-lo.