Momento Apaixonado


        O ar está denso. 
        Seu corpo foi embora, mas ainda respiro o seu perfume.
        Como que louco, busco fechar portas e janelas para guardar o seu cheiro.
        Busco encontrar nos objetos a presença transcendental de sua alma.
        Você foi embora, mas parece continuar aqui.
        É o ar que se transforma nos seus gestos. Seu sorriso ainda guardado no espelho, seus cabelos a aquecer o meu peito.
        A poesia invade as minhas emoções, os meus sentidos, a sensualidade do seu olhar parece impregnar todas as paredes. 
        A realidade foge do mundo concreto para se aconchegar num espaço puramente mental. E nesse lugar inexistente os corpos ainda comungam o calor alheio de cada um.
        Entretanto, o desejo que insiste em lhe ter parece transcender a necessidade de seu toque, de seu belo corpo.
        A vontade vai além, como se pelo portal do corpo estivesse por descobrir as trilhas para encontrar a essência de sua alma.
        Enclausurado pelas quatro paredes, sentir a força da sua materialidade. Porém, de alguma forma é como se, em dado momento, as paredes desaparecessem e eu ganhasse um corpo etéreo que não encontrasse limite algum.
        Qual dor não me atinge o peito como que punhal a agredir o coração ao concluir que, de fato, você não está mais presente. E então o susto, a surpresa, os objetos nada mais são do que a sua contextura material.
        Reconheço o frio invernal que se atira pela moldura da janela.
        A poesia se faz fugitiva, parece diluir-se como que fino pó no fluir do vento noturno.
        A ilusão quer o sonho, mas a realidade já se faz presente.
Invade-me uma profunda irritação.
       Olho em desespero para um monte de objetos inanimados. É como se todos estivessem esvaziados de vida, me desafiando na sua falta de expressão, na sua irritante objetividade. Sem sua presença eles estão mortos, é como se os fertilizasse com suas emanações de mulher. 
        Não bastasse isto, minha epiderme reclama o seu toque, reclama o ar de ua boca, do seu sorriso emoldurado , sorriso de enigma, de encontro e perdição.
        Enlouqueço, então. É sua voz que murmura palavras que ecoam em meus pobres ouvidos. Nela há uma música que seduz, e seduzir é um grande pecado, pois que brinca como que a predadora e sua presa.
        É algo obscuro, invadido por réstia de luz. Já nem mais sei se é a luz da cidade, ou se da lua que resolver roubar para si a beleza do céu. Embriago-me de tantos sentimentos. 
        E então, como que bêbado à beira da perda do controle, tomo a caneta que desliza tonta por uma folha de papel, e o amante se transforma em poeta e se sente agredido por lembranças que atuam como  sementes de alta fertilidade a brotar rapidamente. O cérebro está exausto, as emoções agitadas.
        É então que, esgotado, fecho os olhos e entro num mundo íntimo, onde sinto ser o único dono. Ali tudo crio e transformo as dúvidas em pseudo-verdades que visam apenas me consolar. E então caio perante a paixão, perco todo critério racional e me entrego às minhas próprias ilusões.
        Pouco importa ser sonho ou realidade, é necessário sentir, degustar o momento como se fosse iguaria emocional. 
        Então me torno escravo das próprias sensações, e já não estou preocupado com a lógica da vida, mas apenas se me sinto feliz ou não.
Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 03/05/2009
Código do texto: T1573851
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