"Oia o Lanchi" ("É tão bom rir das coisas que não são engraçadas". — Jorge Clésio)
Por Claudeci Ferreira de Andrade
A unidade escolar estava meio parecida com um lugar qualquer, desses que a gente não se porta mais com cerimônia! Onde deveria cheirar livro novo, fedia comida. Lembro-me sempre, com uma sensação de saudade, da hora do lanche naquele ambiente, não só pelas razões que traziam aquele momento de sabor e gosto evidentemente, mas primeiro porque era sempre no momento mais interessante da aula que aquela voz perturbadora e sinistra, de porta a dentro, agredia meus ouvidos: — “Oia o lanchi!” Eles saíam correndo como se não tivesse um professor ali. Pois é, naquele momento, quem deveria merecer toda a atenção ficava falando sozinho até que voltassem, mas para retomar ao bom andamento da aula era preciso de mais ou menos vinte minutos de sofrimento. Digo melhor, uma sessão desgastante de linguagem fática e interjeições.
Em um desses desregrados intervalos, pus-me a observar a criatividade que circulava naquele ambiente que pretendia ser um ambiente de formação de princípios. Desta vez, foi distribuído para os alunos um saquinho retangular de forma arredondada, com mais ou menos 6 cm de diâmetro, contendo 120g de iogurte de coco, tratava-se do “famoso Goianinho”, que também trazia na embalagem a seguinte recomendação de uso: “Agite antes de beber”. Não é que meus alunos descobriram a ambiguidade, ou melhor, a polissemia, da tal recomendação! E aquele se tornou um “grande” momento lúdico e produtivo. Uns saltitavam como se tivessem pulando corda, outros rodopiavam, faziam flexões no abdômen, é certo que nunca vi tanta criatividade para obedecer a posologia recomendada pelo fabricante do tal iogurte. Pareciam estar envolvidos em uma competição, até porque, os mais ousados faziam movimentos extremos, daqueles que as meninas mais pudorizadas olhavam, viam e viravam as costas imediatamente. Eles recorriam até da obscenidade, para extravasar seus conhecimentos prévios, sacudiam a embalagem com a mão direita e depois passavam para a esquerda assim com a frequência de um ato masturbatório.
Outra experiência marcante, nesse sentido, foi no terceiro ano do Ensino Médio. Por sua vez, foi distribuído, aos alunos, para o lanche: rosquinhas, e além dos transtornos em minha aula, como já falei, ainda tinha que ouvir deles: —“quem queimou sua rosquinha?”; —“hein, paga minha rosquinha”; —“o orifício de sua rosquinha é apertadinho!”; —“quer comer rosquinha, professor?”. Expressões essas endossadas com sorrisos desavergonhados. Se intencional ou não, foi um prato cheio para os maliciosos que estavam sempre a postos, bastando apenas apagar a luz para se manifestarem. Porém, o mais depravado que achei foi quando a coordenadora da merenda entrara a sala, horas antes, comprometendo minha primeira aula de Língua Portuguesa, para dizer que não tinha vasilha suficiente, não chegou verba e que ninguém lhe vendia mais fiado. Os meninos reclamaram porque queriam uma explicação nova, pois estavam cansados de comer “rosquinha seca”. E naquela reunião a sugestão mais aplaudida fora que o colégio servisse também um “sucuzinho” na hora do lanche, “para molhar as rosquinhas”, sendo assim os alunos trariam os "copinhos". É, apesar de mal formada, a palavra mais votada ali (sucuzinho), era um diminutivo afetivo e não o que pensaram. Mas, valeu, o colégio repensou o cardápio e incluiu o tal "molhador de rosquinha".
Porém, eu até me arrisco a dizer aqui, já que reclamam de tudo, esperemos só mais um pouquinho e chamá-lo-ão tudo de gororoba novamente. Por isso o Jorge Clésio tem razão: "É tão bom rir das coisas que não são engraçadas".