FUTEBOL SEM CHEIRO

Tarde de domingo. O sol declina e se esparrama no gramado, enchendo de cores o cenário por onde vão desfilar os artistas da bola. A natureza conspira a favor do espetáculo, aumentando a excitação da platéia. Um cenário de indizível beleza se descortina diante de meus olhos. Finalmente, consigo chegar ao lugar de costume. Fico sempre na arquibancada do lado da sombra.

É bem verdade que o empurra-empurra, na entrada do estádio, deixou-me um pouco dolorido e ainda escuto o zumbido de um “rojão” que explodiu bem perto de mim. Mas, uma brisa refrescante toca suavemente o meu rosto, provocando uma sensação de inefável bem-estar. O cheiro da grama recém-cortada dá ao ambiente um clima especial.

Aos poucos vou entrando no clima envolvente das torcidas. Olho em volta. Busco um rosto conhecido. Nada! Parece que todo mundo se engarrafou no trânsito. Pouco a pouco, os torcedores vão chegando e tomando seus lugares. Com eles, os vendedores ambulantes completam o cenário. Logo começam a apregoar os seus produtos. Um grita de lá: olha o amendoim! Outro grita de cá: vai o picolé, cidadão? Mais um berra: vai o “rolinho de cana”, é só um real! Olha o espetinho de “gato”. - Vai a tangerina...

- “Sai do mei, cara, que o jogo vai já começar!” Grita alguém do lado.

De repente, as torcidas se agitam; levantam-se e começam a pular. As arquibancadas tremem. O pipocar de fogos faz um barulho ensurdecedor. Uma nuvem de fumaça ameaça empanar o brilho do sol. O cheiro de pólvora é estonteante. As bandeiras são desfraldadas e sacudidas, de um lado para outro, numa coreografia de rara beleza. Meu coração bate mais forte. A boca fica seca. A emoção é a dona da festa, levando consigo as torcidas. O estádio é tomado de uma histeria inimaginável. Afinal, é dia de clássico-rei. O coro das torcidas aumenta a tensão dos espectadores. Uns aplaudem, outros vaiam. Há no ambiente uma profusa e indescritível mistura de sons. A trilha sonora é complementada pelo sinal eletrônico das emissoras de rádio. As torcidas enchem o estádio. É gente por todo lado. Respiro fundo.

E, nessa mistura de cheiros, cores e sons, uma brecha se abre em meu nível de consciência. De repente, ouço alguém falando à minha frente: - “Vamos para o intervalo comercial e logo voltaremos para o início da partida”.

Quebra-se o encanto quando, nitidamente, ouço o som característico da vinheta da emissora. Volto, definitivamente, do devaneio para a crua realidade. Olho à minha volta e vejo apenas os poucos móveis que compõem a mobília do meu quarto. Estou só. Toda aquela emoção não passou de uma “viagem”. De uma evocação da alma, trazendo à luz reminiscências de uma época que já se faz tão longe. De um tempo em que se podia ir aos estádios sem maiores preocupações com a nossa segurança.

Um misto de tristeza e de saudade invadem o meu coração. Vem-me à lembrança uma estrofe de "Meus Oito Anos", de Casimiro de Abreu: "Oh! que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais..."!

Puxa! Há quanto tempo não vou estádio! Faz tanto tempo que não recordo da última vez que vi o meu time jogar. Infelizmente, nos últimos anos, só vejo o meu time jogar, pela televisão. O medo fez de mim um torcedor sem voz, de um futebol sem cheiro e sem vida.

Luis Gentil Chaves