Inteligência Desperdiçada
Depois de passar sete meses em prisão domiciliar por traição e violência doméstica, estou retornando ao convívio social, me reabilitando. Esta reabilitação muito psicológica mas também física está sendo auxiliada por um remédio muito forte (auto-medicação é meu hobby): a liberdade.
Mas é preciso toma-lo em doses homeopáticas, disse o competentíssimo médico que eu consultei (ah, José Dias!). Até porque, acrescentou ele, quando o remédio é bom não é necessário que se administre grandes quantidades. Como exemplo para essa alegação ele citou a maconha e o sexo.
E cá estou eu. Getting better, como digo no MSN. Libertando-me em doses homeopáticas para evitar o vício e a overdose. Tenho saído pouco e aos poucos, mas cada comprimido destes tem feito muito bem para mim.
O passeio à praia da Barra foi o último deles. A idéia era assistir ao pôr-do-sol, mas eu ainda não consigo me desvencilhar dos meus parâmetros. Nada se compara ao pôr-do-sol no Arpoador, por isso preferi ficar conversando e olhando para os prédios, que me deram uma idéia de por que o pôr-do-sol não podia ser tão bonito ali, além da questão geográfica.
A Barra é americanizada; Ipanema é a França, com toda a sua poesia e toda a futilidade de seus moradores. (alguém além de mim captou ‘amor é prosa, sexo é poesia’, nesta frase?)
Existem dois condomínios na orla da Barra chamados Residências Giuseppe Verdi e Georges Bizet. Não sei bem por que, mas naquele momento eu pensei em várias pessoas que ganham um salário cinco vezes maior do que o meu e, além de não saberem escrever nenhum daqueles nomes, não têm a menor idéia de que foram estes caras. Não sabem e, o que é pior, não querem saber. Mesmo assim têm um padrão de vida bem melhor do que o meu.
E isso por quê? Porque hoje em dia o que tem valor são os títulos. De repente até o porteiro do prédio sabe escrever melhor do que alguns dos moradores, mas coitado do empregado que tratar o morador pelo nome, sem o título ‘doutor’ ou mesmo o tradicional-escravagista ’senhor’.
Eu trabalhei no departamento médico da Golden Cross. A chefe era Ângela, uma pediatra, eu acho, que não praticava a clínica médica fazia cerca de 5 anos. Mas tinha o diploma. Uma vez atendi o telefone e no meio da ligação falei "Não, a Ângela não está."
Depois que desliguei, começou um discurso mais ou menos assim:
- Nem os meus filhos, quando ligam para cá, pedem para falar com a Ângela. É sempre com a dra. Ângela. Quando eu te dei intimidade para me chamar de Ângela? Nem meu marido quando liga para cá fala assim. Você nunca mais faça isso.
Acho que ela citou o marido para eu imaginar a cena do cara comendo ela. Acho que ela queria me dar mas antes queria ver o malote. Se deu mal. Eu fiquei com pena do marido dela. Imaginei a cena de pornoterror protagonizada pelos dois e com certeza fiz uma cara de nojo indisfarçável, que resultou na minha demissão algum tempo depois.
Essa frescura de certas pessoas me dá muita raiva, porque quem me conhece sabe que eu trato crianças por ’senhora’ e velhos por ‘você’, e isso nunca fez com que eu desrespeitasse ninguém, velhos ou adultos. Madames ou camelôs.
Ah, quer saber? Aquela velha que se foda. Eu não tenho título nenhum, mas pelo menos não peço para ninguém mentir ao telefone dizendo que eu estou em alguma reunião.
Essa palhaçada burguesa me lembra aquilo que a gente vê nas novelas de época. Esse fascínio pelos títulos, a idéia brega de pregar diplomas na parede. Aliás, por que as novelas não aproveitam para criticar estas coisas?
Escrever o nome dela tantas vezes me deu uma raiva tão grande, agora… Me deu vontade de segurar ela pelos ombros, sacudir muito e mandar ela enfiar aquele diploma (que os antigos chamavam de canudo) bem no olho do cu dela.
Desculpem, mas eu precisava falar isso.
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Comecei a escrever este texto assistindo Eu Sei Que Vou Te Amar, um filme de Arnaldo Jabor que marcou o cinema brasileiro, segundo a Globo. Seus fãs que tentem assistir ao filme e me desculpem se gostarem, mas eu não consegui passar da primeira parte.
Por coincidência, poucos minutos antes tinha achado um texto dele (Bunda Dura) num blog. O texto estava cotadíssimo e comentadíssimo, como se fosse o novo… Cartomante, por assim dizer. Li e não achei nada demais. (A Cartomante é de Machado de Assis. Eu poderia citar dezenas de contos maravilhosos de Luis Fernando Verissimo, mas resolvi apelar)
Como eu disse numa discussão com uma fã de Jabor, o texto é bom, como são bons quase todos os textos dele, mas não tem nada demais. Não serve como um cartão de visitas. (não fosse esse filme, eu diria ‘como é bom tudo o que Jabor faz’. Pelo menos o filme serviu para a frase ficar menos gay e menos baba-ovo).
Por falar em cartão de visitas, tenho vontade de conversar com Jabor, um dia. No final da conversa, vou pedir um cartão dele, para manter contato. Espero receber. Depois de bem guardado o cartão, vou tirar uma folha dobrada do bolso e lhe entregar. Vai ser um impresso com um texto meu e eu vou dizer: ‘ih, foi mal, meu cartão de visitas é literário!’.
Infelizmente não teve a rima e a graça que tem a comunidade no Orkut (ih, foi mal, a minha é federal) que vai inspirar esta frase. Sem rima, mas um prazer raro.