ERA ISSO!

Aconteceu em 1975. Lá se vão vinte e dois anos. Eu, acadêmico de medicina, era na verdade pouco mais que um adolescente. Tinha todos os sonhos dos adolescentes somando-se ainda muita coragem. Coragem que cegava para as limitações, e dentre essas, a mais mutilante de todas: imensa falta de dinheiro! Apaixonei-me como era do meu direito e comecei a poupar tudo que conseguia amealhar. Havia me apaixonado pela rainha da Inglaterra, ou se não, por alguém muito próxima disso. Ela era linda, rica, filha de ex-secretário de estado... Uma paixão própria de um homem corajoso! Após meses de sonhos infantis e adulta vontade férrea, consegui levar minha fantasia para um jantar à luz de velas. Subi pela Rua Grão Mogol cantando a minha fantasia, como dizia o poeta da nossa MPB. E aos trancos e barrancos... Um chute aqui, outro ali, jogava algumas pedras para fora do passeio. Parece mentira, mas mesmo no Sion, existiam pedras, verdadeiros cascalhos espalhados pelo passeio. Parei de frente a aquele casarão da Rua Washington. O pai, como já disse, era um senhor importante. Ex-secretário de estado. De Oliveira, cidade não menos importante, conservadora. Eu, calça de nycron marrom. Camisa? Não me lembro mais. Com certeza não era grande coisa! Preparava-me para apertar a campainha. Conferi o dinheiro, bem guardado no bolso. Equivalia a quase um mês de salário de instrutor de práticas profissionais da Universidade Católica de MG. Ela, a razão da minha fantasia, lindos olhos azuis, era pequenina e delicada... Apertava ou não aquele botão? Tremi, calafriei, apertei! Em poucos minutos descíamos a Rua Grão Mogol. A minha fantasia já era realidade dentro de um vestido semilongo, mangas compridas, cinza, austero, quentinho. E os olhos? Lindos e azuis. Eram reais, maravilhosamente reais! Agora, já mais relaxado, começando a dominar a situação, me fazia uma psicoterapia de urgência: “Sou acadêmico de medicina, professor dela, dinheiro no bolso, feio, mas com incrível capacidade de persuasão e além do mais, fonte do amor dela. “Apaixonei-me,” me disse entre um fêmur e um úmero naquele dia! Sou acadêmico de medicina, professor dela, dinheiro no bolso, despertei o amor dela... Sou mais importante que secretário de estado! O Restaurante, não me lembro bem, era um dos melhores com certeza. Seleção de vinhos digna daquele casal real. Ela já estava encantada! Mais apaixonada do que quando entre os ossos e também já menos tão inatingível. Aliás, já definitivamente entregue ao poder daquele homem maravilhoso e encantador que era simplesmente, eu! Garrafa aberta, taças de cristal sobre toalha branca rendada que fazia dos olhos dela os mais azuis. Um dedo de vinho na minha taça... Garçom infeliz, descuidado ou mal treinado! Olhos brilhantes, peito de halterofilista, semblante do maior e mais garboso cavalheiro do mundo, passo aquele dedo de vinho para os meus olhos azuis apaixonados. Em câmara lenta, com toda a graça das mulheres especiais, minha fantasia leva a taça aos lábios, deixa o vinho passear suavemente por sua língua, e, num leve estalar da língua no céu da boca: Está ótimo, pode servir!

ERA ISSO!

Luiz Roberto
Enviado por Luiz Roberto em 02/05/2009
Reeditado em 02/05/2009
Código do texto: T1571355