AGRURAS DA SOLIDÃO (DE COMO ELAS NOS PREGAM PEÇAS).

Aos 50 anos ainda era uma menina! Uma voluptuosa menina loura de formas arredondadas (sem ser muito redonda), alegre e espirituosa. Era bonita. Não uma Luana Piovanni, mas bonita. Atraente, com aquela atraência própria das garotas de 50 anos. Embora tivesse sido abandonada pelo marido (“que já tinha ido tarde”), ainda guardava uma certa aptidão inata para o amor. Sentia o frio da solidão embora a carne queimasse pela necessidade do toque, do aperto, do beijo e de mais... Tudo isso, se não fosse pouco, ainda era exacerbado pelas histórias que ouvia no salão. Esqueci-me de dizer que além de todas as virtudes, ela ainda era a melhor cabeleireira da cidade. Aquelas histórias picantes que as suas clientes teimavam em contar, aguçavam ainda mais, os seus desejos... Pior ainda, aprofundavam a sua solidão que tantas vezes tinha que ser resolvida na falta de graça daquela cama de um só. Como era ruim ter uma cama de um só! Estava cansada daquilo! Mulheres que ela se esforçava tanto para tornar bonitas e atraentes, mesmo as feias, tinham coragem para não ficarem sós. E ela? Porque não devia tomar uma providência? A luxúria, um dos sete pecados capitais, vivia rondando a sua vida nas histórias que ouvia. Histórias que eram mais dolorosas para ela em virtude da riqueza de detalhes e na intensa realidade despontada pela falta de inibição que o ambiente do seu salão permitia. Não podia esconder de si mesma que ela queria ser uma delas! Porque não tenho o direito? Perguntava-se... Um dia, lá naqueles dias do eu sozinha, pensou como poderia dar um basta. Fazer a vida girar. Soltar aquela menina louca de dentro dela. Precisava muito disso. Precisava do cheiro de um homem. Do braço de um homem. Daqueles sussurros loucos nos ouvidos... Precisava jogar água fria naquela pele em queimadura de segundo grau! Como vou fazer isso sem ser vulgar ou parecer fácil? Continuava se perguntando. Dou um sorriso na fila do banco? Não, isso é muito pouco. Vou apenas me parecer com uma coroa educada qualquer... Vou me encostar levemente em alguém em um ônibus cheio? Vai ficar impessoal. Em ônibus cheio todo mundo se encosta. Vou procurar um anúncio desses de jornal? Essa é uma possibilidade. Não tenho que dar satisfações. Não tenho que conquistar. Posso ser eu mesma. Não, não vai valer a pena. Não vou poder contar a história depois. Além do mais, não vou ter sido desejada, conquistada... Definitivamente não vai ter graça!

Foi dançar... Foi a melhor solução que encontrou. A dança facilita as coisas e ainda traz uma essência de romantismo. Luxúria e romance fazem a associação perfeita para curtir, e contar as histórias depois...

-Vamos dançar?

-Sim, obrigada.

-Você é daqui?

-Sou.

-Trabalha com o quê?

-Tenho um salão de beleza.

-Com certeza deve ser por isso que se cuida tão bem. Está bonita. Sempre sai bonita assim?

-Cuido-me. Desde que me separei passei a me cuidar melhor (pronto, já dei a deixa...). Não quero que pensem que o meu casamento acabou por desleixo. E tem o meu trabalho. Faço as mulheres ficarem bonitas.

-Você é muito bonita. Não sei como um homem deixa uma mulher como você... Eu não deixaria...

-Pois sim...

-Não acredita? E você dança divinamente... Nem precisava, mas dança.

-Você está sendo apenas um galanteador, aposto (a pele já queimava porque ele agora já começava a apertá-la e se encostar de corpo inteiro. Ele percebera a sua deixa, com certeza).

-Vamos sair daqui para um lugar mais discreto? Você é uma mulher excitante. Quero você hoje, agora...

(Meu Deus! O que é isso? Quero saber o nome dele, namorar algumas semanas, conquistá-lo).

-O que é isso? Rápido assim? Conheceu-me agora e já quer me levar para a cama? Você está confundindo as coisas...

-Acho muito natural. Você é mulher e eu sou homem. Você veio aqui para isso...

-Não senhor (indignada). Eu não vim aqui para isso. Vim para dançar, conhecer pessoas e me divertir.

-Não. Você está enganada. Quem vem aqui, vem para encontrar companhia para cama. Só para isso!

-O senhor está muito enganado a meu respeito. Não sou dessas.

-O quê! Você vem para cá sozinha, me diz de cara que é separada, aceita dançar e diz que não quer transar. Que não é disso. Vai amarrar mixaria? Nem tão grande coisa você é... Se eu chamar dez mulheres daqui, hoje, para uma dança, vou levar todas para a cama. Meu Deus, fui me interessar logo por uma geladeira!

-Geladeira, não. Alto lá! Sou muito mulher. Se você conseguir me levar para a cama e me despertar, verá com quem está lidando. Eu sou muito gostosa. Um vulcão na cama. Sou capaz de levar um homem à loucura. Quando me excito, viro uma gata no cio, dou os ganidos de uma cadela presa ao macho poderoso. Mas só se for um macho poderoso mesmo... Você não verá, por que não me excitou. Porque não é esse macho. Você é muito menos homem do que pensa. Está vendo? Não estou sentindo nada... Nem calor, nem latejamento, nem aperto na barriga. Não estou sentido vontade de te beijar, te morder, rolar sobre você, te apertar entre as pernas cravando os dentes no seu pescoço. Não estou sentindo vontade de afagar os seus cabelos sussurrando palavrões nos seus ouvidos. Não estou sentindo vontade de te receber em mim gritando: Obrigada minha delícia de homem. Obrigada meu amor de momento. Obrigada meu macho. Estou louca, aliviada e vou te querer de novo... Vou querer mais, viu? Vou querer mais... Não, eu não estou com vontade de dizer nada disso. Você não ligou o meu plug. Adeus!

-Espere meu bem. Por favor, não vá ainda. Você ligou o meu plug... Não está sentindo o meu plug ligado?

Impassível, ela sai pisando duro:

-Nada que um pouco de água fria não resolva... Dispara.

E sai, graciosa e lentamente. Sai de alma lavada. Doida de tesão, mas de alma plena e ricamente lavada. Todas as suas semelhantes foram salvas naquele momento! Todas as mulheres desiludidas, mal amadas e injustiçadas foram salvas das agruras da solidão. Graciosa heroína!

Ah! Esqueci-me de dizer. Por um simples acaso, o nome dela é Amélia.

Luiz Roberto
Enviado por Luiz Roberto em 02/05/2009
Reeditado em 02/05/2009
Código do texto: T1571340