"Perguntas de um trabalhador que lê"

"As coisas ficarão melhores no dia em que o Produto Interno Bruto der lugar ao índice de Felicidade Geral da Nação. Então, a acumulação privada de riquezas cederá vez à disseminação coletiva de direitos. Filha da justiça, a paz brotará. E esses tempos em que vivemos serão evocados como um passado tenebroso, em que nenhum animal era visto em público padecendo fome, exceto o bicho homem e o bicho mulher, o que provocou horror em Manuel Bandeira."
                                                                                                Frei Betto



Pergunto se há o que festejar, comemorar.
Pergunto por que tanta apatia e desinteresse pelo que nos cerca.
Pergunto se não incomoda ser invisibilizado, desrespeitado, desconsiderado nas necessidades mais elementares.
Pergunto até quando “cidadania de papel”.
Pergunto se o processo de desumanização a que nos submetem já nos contaminou a alma ao ponto de não nos importarmos mais, naturalizarmos a falta do que é básico para a dignidade humana.
Pergunto se reconhecemos nossos nomes na construção da história desse país, mesmo que não estejam em placas de ruas ou praças e nem nos livros didáticos.
Pergunto-lhe, pergunto-me:
Qual é mesmo a nossa fome?
Perguntando-me, lembro da imagem do menino que aguardou o exército invasor, às portas do seu vilarejo, armado com um pedaço de pau. O general viu aquela cena e riu.
- Espera deter meu exército?
- Não. Espero apenas dizer ao senhor de que lado eu estou.

E tal qual esse menino, eu escolhi o lado da luta.
                                                                                  Edna Lopes

PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ
                                     Bertold Brecht


Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
Da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que
a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo
Quem os ergueu? Sobre quem
triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio
tinha somente palácios para os seus habitantes? Mesmo
na lendária Atlântida
os que se afogavam gritaram por seus escravos
na noite em que o mar a tragou.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua armada
naufragou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?

Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?

Tantas histórias.
Tantas questões.


Da Série UMA MÚSICA, UM POEMA... OUTRO TEXTO.