LINDALVA, O BAILÃO E O CARRÃO

Todas as segundas-feiras, Lindalva chegava atrasada no trabalho. A desculpa era a mesma de sempre: fora levar o marido no médico do SUS. Sabe como é, não dá para escolher o dia ou hora para a consulta, é o "sistema" quem marca, se cai na segunda-feira tem que ir... é verdade que o marido de Lindalva estava acamado e invalidado há mais de dez anos. Ela não dizia, mais seus suspiros doloridos mostravam, que para ela, o marido doente era um peso e tanto... e olhe que Lindalva ainda era bem moça e bonita. Trabalhava como cozinheira de uma escola para meninas infratoras, onde eu era diretora, em um bairro bem distante de sua casa. Quando não falava das tristezas de um marido invalidado, era de temperamento alegre, estava sempre de bom humor.percebia-se nela, muita vida querendo expandir-se, quando falava do futuro. Reformar a casa, comprar uma geladeira nova, móveis novos para a sala... e ainda havia a tão sonhada viagem para a Bahia, seu estado de origem. Se um dia o marido melhorasse ou partisse dessa para melhor.

As desculpas para os atrasos das segundas-feiras caíram por terra quando sua sobrinha Abigail começou a trabalhar na escola. Em uma das tais segundas-feiras, Lindalva chegou tarde como de costume. Perguntei a Abigail se ela sabia porque a tia chegava atrasada nesses dias. Abigail não se fez de rogada. Pedindo segredo, revelou que pelo menos duas vezes por mês, Lindalva ia ao bailão com o namorado, sempre aos domingos. Informou ainda que o tal namorado era bem mais jovem que a tia e tinha um carrão bem vistoso. Nesses dias de melhores noites, Lindalva chegava alta madrugada em casa, morta de cansaço de tanto dançar, dormia pesadamente e acabava perdendo a hora de ir para o trabalho. Abigail disse que não condenava a tia, pois ela era ainda muito nova e com um marido inválido daquele jeito, tinha mesmo é que aproveitar a vida... A partir de então, passei a exigir que Lindalva apresentasse o atestado médico para justificar seus atrasos. Algum tempo se passou e um belo dia Lindalva telefonou avisando que não ia trabalhar porque o marido falecera. Imaginei que a partir daí, Lindalva iria viver seu amor plenamente, sem o marido inválido tomando tempo. Intuía que Lindalva devia estar feliz e, por isso, não sabia se dava pêsames ou parabéns para a nova viúva.

Quando Lindalva retornou ou trabalho, para manter o costume consagrado dos pêsames, não fugi à regra e mantive as condolências tradicionais. No fundo, pensei que Lindalva não estava nem aí para as condolências, sendo obrigada a ter que fingir uma dor que certamente não sentia. Agora sim, estava livre para se esbaldar no bailão e no carro vistoso do namorado. Lindalva compõe um dos tipos interessantes que povoaram a minha vida profissional.