O DIA D

Fazer aniversário é um misto de sentimentos. Um tanto de dor e delícia, outro tanto de desilusão e esperança. A vontade de comemorar o ano que começa é imensa, mas a sensação de perda pelo que termina é inevitável. Porque o tempo não volta. O tempo passa sem nunca, nunquinha parar de passar e quem aproveitou, aproveitou. Quem não aproveitou...

Mas o que é aproveitar o tempo?

Não sei. Ou melhor: sei, para mim. Para os outros... Ora, cada um sabe do seu tempo. Aproveitar o tempo, para mim, é deitar no sofá enrolada no edredom vendo besteira na TV. É tomar um banho interminável enquanto penso na roupa que irei colocar. É deitar no chão do quarto ouvindo música e pensar em cada letra como se fosse o tema da minha vida. É escrever cartas enormes sem destinatário. É ler poesias em voz alta. É me imaginar heroína de um romance. É enumerar gastos e aquisições para quando ficar rica. É fechar os olhos e sonhar com os carinhos do meu namorado. É abrir os olhos e fazer carinhos no meu namorado. É escrever livros e rabiscos. É desenhar, pintar, recortar. É tirar tudo do armário e reorganizar. É fazer um bolo de chocolate com muita cobertura. É conversar com o meu cachorro.

Mas aproveitar o tempo, para mim, também é fazer coisas grandes. Estágio, TCC, chimarrão com os amigos. Trabalho, projetos, abraço na família. Planos, sonhos, declarações de amor para o meu amor.

Isso tudo eu celebro no dia 14 de maio. Todos os anos. Tudo de bom que acontece na minha vida. Tudo de bom que está sempre acontecendo na minha vida. Tudo de bom que se renova a cada ano e que ainda por cima cresce e se torna melhor e mais forte. O amor que me cerca, a vida que me invade, a força que me levanta a cada dia entre um 14 de maio e outro.

E o que passou, passou, não volta mais. Todo dia 14 de maio eu penso também no que faltou. No que não fiz. No que deveria ter feito. No que jamais deveria ter acontecido. Todo dia 14 de maio penso em cada minuto que perdi pensando na morte. E quantos minutos se foram aí! Todo dia 14 de maio penso em tudo que fiquei parada reclamando e deixei de ir atrás. Todo dia 14 de maio penso no turbilhão de sensações que me desnorteiam e não consigo colocar no lugar. Sensação de perda, de tristeza, de impotência, de frustração. Sensação de medo pelo futuro que pode nem existir.

Pensando bem, tudo isso acontece também no dia 14 de maio. Porque isso tudo sou eu, diariamente eu. E nessa data do ano, em especial, fico ainda mais eu, ainda mais embriagada de mim. Fico de porre de mim. Para o bem e para o mal. Para o que der e vier. Canto Camila é uma boa companheira e sigo cambaleando até o próximo aniversário.

Mulher de Sardas
Enviado por Mulher de Sardas em 15/05/2006
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