AS MÃOS DO DEFUNTO

As mãos do defunto.

Pálidas mãos que na infância do menino de olhos azuis, ajudei a juntar e ao menino recitar a oração que o levaria para o céu. Jamais me esqueci da pureza daquele olhar que me suplicava, meio alucinado, amedrontado. O que será quando chegar o dia e eu não souber rezar? Eu passava a mão por sua cabeça e o assegurava, que até lá ele aprenderia a recitar suas orações e poderia receber a primeira comunhão.

Era o aluno mais aplicado que eu tinha. não tinha uma super memória, mas tinha sede de aprender, e muita dedicação.Parecia que toda sua vida dependia de minha aprovação.

No dia da festa, ele estava lindo. Parecia um anjo, com aquelas duas pupilas muito azuis e aquela alma brilhando de felicidade. Tive uma grande alegria naquele dia, ele não só orou com fervor, como levou um sorriso de felicidade aos lábios de sua pobre mãezinha. Lembro-me dela, baixinha, meio vesguinha, andava mancando, tinha uma doença mental. Aquela alegria eu dividi também com Deus, pois acreditava que uma vez plantada a semente naquele coraçãozinho, tudo seria mais fácil.

Os anos passaram, a última vez que o vi foi numa festa de aniversário de um dos seus sobrinhos. Ele dançou tanto, que parecia que estava se despedindo. Quatro dias depois, recebi a triste notícia. Ele morreu subitamente.

Não pude ir ao enterro, estava cheia de trabalho. Minha mãe me contou. Ele estava dentro do caixão, com as mãos tapando seu sexo, como se lá onde repousava tivesse vergonha de estar assim exposto. Não lhe colocaram sequer uma roupa. A esposa revoltada com sua morte resolveu mandá-lo nu para a sepultura. Como se pudesse com este ato, se vingar de sua morte, e do vício maldito que o levou tão cedo.Algumas pessoas caridosas, o cobriram com flores, e assim que as pessoas amigas e os parentes chegaram para velá-lo não viram sua vergonha exposta num gesto que me foi narrado,mas jamais esqueci.

Os caminhos que o levaram a dependência química foram o desemprego, a falta dos pais, e o abuso de alguns que o ajudaram a continuar na sarjeta, empregando-o no comércio ilícito das drogas. Para se abastecer ele trabalhava. Não posso julgá-lo,

Senti sua morte, pois era um menino lindo, e sei que sua alma, apesar das dívidas contraídas pela vida que levou, em algum lugar está repousando. Acredito na bondade que ela tinha, e torço para que este resgate seja breve e suave.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 29/04/2009
Código do texto: T1565724
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.