Delírio do Lirismo
E foi-se a noite da amada – precisávamos acordar! –, posto que o Sol não gosta de brincadeiras e está sempre com ciúme da poesia. Os passarinhos cantavam um hino muito peculiar - prometiam um belo dia -, mas eu sabia reconhecer o cantar de uma ave triste.... O tempo soltou murmúrios arrogantes e o único gesto, significando beleza, foi seu abraço, que me despertou a lembrança de um filhote de Preguiça, com seu bocejo e lerdeza, capaz de trocar seres errantes por poetas.
Era época da Tensão Pré Poética, pois todo o início de primavera fazia calos nos corações dos amantes. Contudo, no verão sempre existiria a promessa de esperança e saudade... Ah! como não queria ser tão complacente com meu sofrimento, que de tempos em tempos teima em trazer sempre novas melodias e tristes canções!
Contudo, nesse intervalo de pensamento, a amada já estava pronta para partir (pelo visto, o Sol não haveria de mostrar suas garrinhas cruéis - e eu nunca tinha conhecido alguém mais ciumento que ele).
Minha primeira decepção foi avistar duas crianças (já grandinhas), dormindo profundamente em um colchão sobre a calçada. Eu sabia que elas, possivelmente, tinham ficado a noite toda acordadas, procurando a felicidade em grãos de areia e, talvez, acordassem ainda com vontade de comer bolo ou de ter uma amada ao lado delas.
A Preguiça ainda estava ao meu lado com uma rosa triste em punhos e eu, muito tristonho, por não lhe presentear com uma belíssima rosa colombiana. Lembrei-me do conformismo mórbido das flores, ao esperarem com carinho o momento derradeiro da insensatez dos amantes – que ao sentirem pena, repousavam a rosa em um copo de água com açúcar.
Eu e as flores gostamos do sabor adocicado – as amarguras da vida despetalam muito! Já cruzávamos uma rua qualquer, com nome de tenente, próximos a entrada da Rua da Praia. O sofrimento não parou, pois me recordei da ausência de praia e verão; os hippies ainda estavam ali, com seus cabelos e produções arcaicas. Debulhei-me em mágoas, pois não haverá flores para expressar o mendigo sofrimento dos andarilhos que buscam, talvez, a mesma chama que cativo.
As mãos estavam tristemente ocupadas, sem poder tocar na cintura do amor. A urbanização também fez o mesmo com nossos sonhos!
- Mas quem não sonha, nunca terá vida!
Como o Sol é egoísta. Além de falar-me coisas bonitas, mostra-se fútil– como a beleza. Minha amada Preguiça estava muito preocupada com meus olhos rasinhos d’água... nem eu saberia expressar o porquê de tanta melancolia!
Ai minha vida, seja assim docinha
Pois a amargura corrompe os dias,
A aurora enobrece a chama do tempo,
Meu peito queima o penar das horas.
Mas não haverá de ser sempre assim...
Pois a fé cega até as decisões do Sol!
Lembrei-me das pescarias infantis e de como até os peixes mordiam as ilusões de existirem somente no imaginário. Pequeninos lambaris, não tão invejosos quanto a traíra! A amada foi-se embora, junto com a sua lírica Preguiça – é que os bichinhos são perfeitos, tão mais que os humanos!
Amei-a como um fiel cavalheiro, pois as taurinas merecem a paixão da rosa colombiana. Por falar nas rosas, toda essa tristeza tinha um fundamento: eu precisava renovar minha fé. Assim sendo, passei por um caminhão cheio de flores, na rua do mercado, e declamei a mais nobre profecia!
Pode sim o mundo estar perdido,
Mas o amor, jamais...
Não enquanto houver caminhões
Lotadinhos de rosas e florais.
Então, com muita raiva do Sol – que brilhou somente após a partida da amada-, voltei-me em pratos rumo ao nada. E estávamos, agora, eu e a poesia, com aquele brilho radiante do amanhecer.