C O M P R E S B: UNIVERSIDADE DE NIEMAYER X MORADORES DAS QUADRAS 700 DE BRASÍLIA

Na semana passada, fui convidada para assistir a uma reunião do Conselho de Gestão de Área de Preservação de Brasília – COMPRESB, que tem, dentre suas atribuições, a competência para avaliar se as propostas para erguer novas edificações e/ou alterar as já existentes, estão de acordo com as normas estabelecidas para o planejamento urbanístico do Distrito Federal.
Meu comparecimento deveu-se ao fato de eu fazer parte de um grupo de moradores das Quadras 700 do Plano Piloto de Brasília, que vem reivindicando do Governo Local o direito de manter suas casas protegidas com grades de segurança, conforme foi estabelecido em Lei desde 1993. No entanto, em 2005, doze anos após a sua entrada em vigor, o judiciário entendeu que a Lei não deveria mais ser aplicada, por “vício de origem”. Nada entendo de Direito, mas informaram-me que, no caso específico, isto significa que o texto legal não valia mais, porque o projeto de Lei iniciou-se no Poder Legislativo e não no Poder Executivo. Ou seja, a idéia estava certa, mas a idéia certa não partiu da cabeça da pessoa certa, mas da cabeça da pessoa errada.
Por esta razão, o Governo avisou aos moradores que, a partir daí, estava proibido fazer ou manter as grades de proteção das casas das Quadras 700 da Asa Norte e Sul, apesar de haver parecer da Polícia Local favorável à existência da proteção, e a despeito dos riscos de assaltos, furtos, estupros e da invasão de privacidade por parte de suspeitos que circulam na área.
Rosária, nossa incansável líder comunitária, calma, segura e com muita boa vontade para negociar, vem reunindo-se há quase um ano com, aproximadamente, uma dezena de Setores do Governo Local, no sentido de conseguir que a Nova Lei, de iniciativa do Executivo, seja aprovada com as mesmas garantias da anterior. No emaranhado burocrático em que nos meteram e onde nada ficou resolvido, foram nos empurrando de um lado para outro, até que caímos nas mãos, ou talvez nas patas, do Conselho de Gestão, que agora vai dizer ao Governador, se podemos ou não continuar protegendo nossos lares.
Estávamos ali, sentados nos bastidores, diante de uns vinte conselheiros engravatados, com aparência sisuda, que em nada me impressionaram. Primeiro porque são seres mortais e cheios de defeitos iguais a mim. Depois, perdi completamente o respeito por eles durante a discussão do primeiro item da pauta. Não era o do nosso interesse, mas o de uma Universidade Particular do Estado do Rio de Janeiro, que adquiriu um grande terreno em uma área nobre da cidade, onde pretende construir um enorme complexo universitário, cujo projeto é de autoria do renomado Arquiteto Oscar Niemayer, responsável pela criação de Brasília, ainda trabalhando aos 98 anos de idade.
Trata-se de uma Universidade que oferece alguns cursos do segmento de Humanas que, em Brasília, já existem aos montes. Há tantas vagas para esses cursos aqui, que até fazem piadas com algumas universidades, afirmando que o aluno estará automaticamente matriculado, se passar distraidamente diante delas ou deixar cair um documento de identidade em sua porta de entrada.
O conselheiro relator levou cerca de trinta minutos para informar os detalhes da obra, deixando claro que o projeto estava em desacordo com as normas que o próprio Niemayer havia estabelecido para a sua mais famosa criação. Após duas intervenções de ordem técnica por parte dos conselheiros, a proprietária da universidade foi convidada a falar. Durante uns quarenta minutos, a professora de setenta e um anos contou toda a sua história de magistério de cinqüenta e oito anos, bem como a origem e expansão do seu lucrativo negócio, culminando com a informação de que este último ficaria entre oitenta e cem milhões de reais. Ao sabor desta informação, dois conselheiros imediatamente pediram vistas do processo e praticamente todos os outros se puseram a manifestar suas opiniões sobre a vida de Oscar Niemayer, a importância da qualidade do ensino universitário, os problemas sociais do país, etc. Ainda bem que uma conselheira, a mais jovem, corajosa e prudente lembrou que estavam ali para avaliar projetos arquitetônicos, e não o ensino universitário, atitude que obteve protesto da representante da Secretaria de Educação, que fora também apoiar a dona do empreendimento.
Nós, humildes moradores das 700, mal acomodados nas cadeiras improvisadas ao fundo, sentíamo-nos desolados. Não ia dar tempo para discutir nosso caso. Como de fato não deu.
Um morador, indignado com a situação enviou, através da secretária, um bilhete de protesto à Presidenta do Conselho que, apenas para dar uma satisfação ao grupo, mencionou rapidamente o motivo de estarmos ali. O relator que parece ser um voraz freqüentador de livrarias, falou durante cerca de dez minutos contra a nossa pretensão, com argumentos baseados em teorias sociológicas, sistemas perfeitos de administração pública, responsabilidades dos organismos de segurança em regimes democráticos ideais, citou vários autores e concluiu que a nossa reivindicação era descabida. Por sorte, metade dos conselheiros já havia ido acompanhar a Diretora da Universidade ou estava se preparando para as atividades após o almoço, em conversas paralelas.
Mas, tivemos um momento de glória. A presidenta mais uma vez deu uma demonstração de democracia. Comunicou aos conselheiros ainda presentes que ia abrir uma exceção, permitindo que a Presidenta do nosso grupo dissesse algumas palavras em defesa da comunidade ali representada.
Humildemente, nossa querida Rosário manifestou sua gratidão ao prêmio e pronunciou, quase exatamente, estas poucas e sábias palavras:
- Senhores, nós também somos contra as grades. Nós não as queremos. Queremos apenas viver em paz e em segurança em nossos lares, com as nossas famílias. Se nos oferecerem isto realmente, não vamos mais incomodá-los. Mas tem que ser hoje, agora. Obrigada.



Sandra Fayad Bsb
Enviado por Sandra Fayad Bsb em 15/05/2006
Reeditado em 15/05/2006
Código do texto: T156285
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2006. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.