O Beijo no ônibus

De repente, irresistivelmente, depois de um olhar suplicante e doce, um beijo no ônibus. Um olhar profundo me espreitava já de muito perto quando me virei para olhá-la. Senti uns lábios carnudos se aproximando do meu rosto, já de olhos semicerrados. Sem abraço, Apenas a mão dela em torno da minha cintura e o meu braço sobre os ombros dela. Um beijo longo, uma boca quente, um sabor de caqui. Fechei também os olhos e deixei-me envolver. Abri-os algumas vezes, mas os dela permaneciam fechados.

Quase me esqueci de que o ônibus estava sendo assaltado. Fomos interrompidos por um cano frio de revolver na nuca pedindo nossas bolsas e outros pertences de valor. Atendi prontamente ao bandido e tive oportunidade de olhar em volta e perceber a estupefação de todos os passageiros diante da nossa calma e ousadia. Voltando à realidade daquele transporte público, fui tomado por um receio de que os jovens delinqüentes se aborrecessem conosco, entendendo como deboche o nosso ato. Mas para minha surpresa, um deles me tranqüilizou: “fica na sua aí irmão, que beijo na boca é muito bom !”. Ela segurando com força a minha mão esquerda com sua direita virou o meu rosto para si e, como se não quisesse desagradar o jovem assaltante, tornou ao beijo demorado.

Não pude acompanhar o desenrolar dos fatos. Apenas ouvia a voz dos rapazes, falando alto e ordenando isso ou aquilo. De vez em quando parávamos para olhar para frente e logo retomávamos o beijo.

Passado algum tempo, um grande rumor tomou conta do lotação e as pessoas começaram a andar, falar, gesticular. Os assaltantes tinham ido embora. Ela desencostou a cabeça do meu ombro e se afastou de mim. Olhou primeiro para fora, tentando ver algo esclarecedor na noite lá fora. Logo veio a polícia, fazer ocorrência. Nada dissemos, apenas observamos sentados no mesmo lugar onde estávamos. Alguém veio devolver a bolsa dela subtraída do que tinha de valor. Ela a recebeu, olhou dentro e deu de ombros. Também recebi minha pasta e fiz a mesma conferência.

Quando a polícia saiu, o ônibus começou novamente a andar. Algum tempo de viagem e ela tocou o sinal do ônibus e ao se levantar para sair, olhou-me com olhos que não eram aqueles do início e me disse agradecida: “perdoe-me, mas é que beijo me acalma. Obrigada !”.

Daquele beijo no ônibus nunca me esqueci. A garota não me disse qual era seu nome. Por onde andará aquela boca que procuro até hoje pelos ônibus que tomo ?