A NOSSA MORTE ANUNCIADA
A forma como iremos morrer não é anunciada quando já não temos fôlego para ouvir, olhar ou sentir os cheiros da vida.
Isso não acontece, tampouco, quando os médicos já vasculharam todos seus atalhos e segredos para descobrir de onde brota a nossa dor, de onde migra todas as chagas que nos assolam até a alma.
Também não acontece, por certo, quando os homens decidem por dilacerar seus irmãos, buscando algo que nunca terão e que, sobretudo, nunca serão.
A forma da nossa morte é plenamente anunciada, com todo rigor e pompa necessários, no momento em que damos o nosso primeiro choro.
Aquele que acontece quando chegamos nesse mundo de meu Deus,
quando saímos, assustados, absurdamente frágeis e plenamente fortes, do que fora o nosso poço dos encantos por tempos e tempos.
Porque a morte nada difere do que mais um caminho ao qual chegaremos, exatamente igual ao mais frugal ato que fizemos, como os milhares que parimos ao longo da vida, como os milhares de passos que dedilhamos sem pensar, nem prever.
Tudo o temos, cremos, somos, fomos, enfim, tudo o que está à margem de nós, é um simples e banal resultado das escolhas feitas, dos caminhos que entendemos como os mais seguros, das trilhas que nos pareceram mais sedutoras.
Dessa forma, aquele bebê tinha todas as alternativas do mundo à sua disposição para decidir o que quisesse.
Se optou por chorar, ao invés de gargalhar, emburrar, dormir, sussurrar ou nada fazer, estava, sem querer, estabelecendo todo o trajeto que terá pela frente ao longo da sua estrada, até o dono do show decidir baixar as suas cortinas e desligar a luz do seu palco e pronto.
Mas ele decidiu chorar, no entanto, até arrebentar os seus pulmões.
Dessa forma, estava prenunciando a forma como morreria um dia, só para quem quisesse saber, para quem se propusesse a traduzir, para quem tivesse a pachorra de ser cúmplice desse desígnio tão singular.