Tapa-olho
Contei a velha piada na mesa do almoço, aos meus irmãos, reunidos:
“O pirata típico, perna de pau, gancho na mão e tapa olho conta suas desventuras a um grupo de marinheiros:
- A perna de pau foi conseqüência de uma luta ferrenha com um enorme tubarão. O gancho foi numa violenta batalha em que eu e minha tripulação estávamos em desvantagem numérica. Já o tapa-olho... Foi quando caiu um cocô de gaivota no meu olho.
- Jamais imaginei que cocô de gaivota poderia cegar alguém...
- Não pode. Era o meu primeiro dia com o gancho...”
Irmão também é cultura. O meu me contou porque os piratas usavam tapa-olho. Ao contrário do que conta a piada ou canta a musiquinha de nossa infância, eles não tinham olho de vidro. A maioria deles enxergava mesmo muito bem. O acessório piratesco era usado para manter sempre coberto e com a pupila dilatada um dos olhos, muito útil quando deixavam o sol intenso do convés para adentrarem os escuros porões dos navios, o que faziam com freqüência. Uma pequena mudança na paleta, liberava o pupilão permitindo-lhe acuidade visual rápida no breu. Ao voltar para a luz, o olho acostumava-se logo à claridade.
Acho que a gente devia ser um pouco assim também. Sob sol intenso, da bonança e da alegria, saber que a qualquer momento o quadro pode mudar e ter na manga um truquezinho para nos manter aptos a continuar funcionando se chegarem as tempestades, as crises, as decepções.
Eu não sou assim. Otimista por natureza, genética ou criação, acho sempre que tudo que está bom pode ainda melhorar. Acredito nas pessoas, nos momentos e em magia. Na minha cabeça, jamais precisarei adentrar porões. Mas, se precisar, eles serão iluminados por amplas janelas, clarabóias e lâmpadas fluorescentes, padrão shopping center.
E, às vezes, me pego no mais escuro breu, rolando escadas ou chocando-me contra paredes e pedras, enquanto ainda ofuscada pelas luzes piscantes marcadas na retina da alma após um momento de grande júbilo. A minha salvação é que eu sou mesmo muito otimista. Nessas horas, recomponho-me o mais depressa e com o máximo de dignidade possíveis. Sacudo a poeira, esfrego os olhos até conseguir entender minha real situação, tornar-me novamente funcional. E daí volto a procurar pelos dias de luz.