Como é chato agüentar um chato
Na minha adolescência aprendi que paciência não se perde, e se em algum momento de nossa vida chegamos a duvidar deste estado de espírito é porque nunca a conquistamos, desde então, passei a me aperfeiçoar e procurei ter sempre como uma das minhas qualidades. No entanto, temos determinadas ocasiões que ela é colocada a toda prova. Por isso a pergunta: Quem nunca passou por uma situação desagradável de ter que agüentar um chato? E quem nunca teve que ser indelicado, em algum momento, para sair de uma situação desagradável?
Chato é aquele indivíduo maçante, vulgar, sem elegância, prepotente sabedor de tudo e de todos.
Encontrei recentemente um velho “colega”, coloco entre aspas porque não sei se o considero um colega, conhecido ou ex-vizinho de infância, que há muito tempo não o via.
Eu estava tomando lanche no centro da cidade, quando sou surpreendido pela figura, que me reconheceu, também o reconheci, apesar de aproximadamente 30 anos terem se passado. Cabelos brancos, peso exagerado, os traços fisionômicos bem salientados, mas era ele mesmo, Carlos, o rapazinho franzino, companheiro de bola e travessuras em minha meninice. Tinha eu na época, quinze anos de idade mais ou menos. Mudamos-nos do bairro, cada um ao seu tempo, e nunca mais nos vimos, até este momento. Tomamos rumos e escolhas diferentes.
Bastou ele começar a falar para que eu previsse o final deste encontro. Foi mais de 20 minutos ininterrupto de narrações de fatos pessoais, um monólogo interminável, no qual eu não conseguia interagir ao assunto nem comer o meu lanche.
Até que, aproveitei a primeira oportunidade – quando ele respirou - conseguindo dizer algo. Falei, falei alguns segundos, mas ele não ouviu nada do que eu dissera, e em seguida, voltou ao mesmo tema e deu se novamente a ladainha. Tomei o suco, deixei o lanche pela metade, paguei a conta e fomos até a praça, sentamos em um banco, para dar prosseguimento à conversa de um suposto encontro de uma velha amizade.
Só ele falava: De dinheiro, de trabalho, de pessoas. De trabalho, de dinheiro, de pessoas e de pessoas, de trabalho, de dinheiro. Eu sabia até este momento que era um senhor bem sucedido, no entanto eu já estava cansado de tanto ouvir falar em trabalho, e ele, ainda nada sabia de mim.
Neste momento lembrei-me de ser um bom ouvinte. Além da paciência, aprendi também que temos que saber escutar, seja pelo dom, técnica ou por elegância. Este detalhe me confortou.
Quando consegui falar brevemente, percebi que em tudo meu velho conhecido tomava a dianteira e impunha a sua superioridade. Não havia um só assunto onde ao menos respeitasse meu ponto de vista, sem que fosse superior, se esquivava e continuava com suas façanhas. As pessoas que conhecia eram todas com patentes, orgulhava-se de enumerá-las. O assunto girava em torno de si, percebia que seu ego fortalecia a cada demonstração de grandeza, um ar oponente e de humilhação estampava-se no rosto. Só o que era de seu interesse destacava, eu não podia sequer contestar, opinar, sugerir ou mesmo direcionar um assunto. Mesmo para interrupção da conversa e despedida, não fora tarefa assim tão fácil. Parece-me que este tipo de pessoa possui ímã, atrai, e não abre possibilidade para nos livrar mos dela. E, assim por um bom período ficamos sentados na praça. Ele a falar, eu a ouvir...
Tivemos um longo tempo de conversa, escuta e sono – eu já estava sonolento - onde nada de interessante pude absorver e sequer sentir a satisfação de encontrar um velho conhecido.
Aí, me perguntei. O que leva a pessoa a escolher caminhos tão distintos para a criação de uma personalidade tão arrogante, vulgar, prepotente, como marcas de um ser?
Mas, não esperei a resposta, à segunda respirada, aproveitei a oportunidade, inventei uma desculpa, despedi-me, elegantemente, como se fora muito bom revê-lo e fui comer outro lanche tranquilamente.
Deste encontro, pude refletir que em duas circunstâncias fui beneficiado. A primeira: pude aperfeiçoar minha paciência e audição. A segunda: impulsionou-me a um conhecimento mais aprofundado da zoologia investigando a origem da palavra chato, ao qual faz jus: inseto que vive normalmente na região pubiana, comprimento: até 1,5 mm e vive cerca de três semanas.