LEMBRANDO O DR. SIMÃO BACAMARTE

Leio os jornais, acompanho o noticiário na TV e fico imaginando o quanto é difícil a gente assistir passivamente os atos tresloucados que praticam determinadas pessoas - ditas sãs - por este mundão de meu Deus. Acho que, se vivo fosse, Machado de Assis criaria um outro Dr. Simão Bacamarte.

Uma figura, o Dr. Simão... Vamos recordá-lo um pouco? Conta Machado , que o Dr. Simão vivia na vila de Itaguaí e era considerado o maior médico do Brasil e inteiramente voltado para a saúde da alma, que acreditava ser a ocupação mais digna do médico. Acontece, que os dirigentes da vila, entre outros pecados, tinham o de não fazer caso dos doentes mentais. O Dr. Simão entendeu reformar tão ruim costume. Pediu licença à Câmara para agasalhar e tratar no edifício que ia construir todos os loucos de Itaguaí e das demais vilas e cidades, mediante um estipêndio, que a Câmara lhe daria quando a família do enfermo o não pudesse fazer. A proposta excitou a curiosidade de toda a vila e encontrou grande resistência. Tal resistência não abalou o ânimo do obstinado Dr. Simão. Foi à Câmara, onde os vereadores debatiam a proposta, e defendeu-se com tanta eloqüência, que a maioria resolveu autorizá-lo ao que pedira, votando ao mesmo tempo um imposto destinado a subsidiar o tratamento, o alojamento e mantimentos de todos os loucos pobres. Só que a matéria do imposto não foi fácil achá-la. “tudo estava tributado em Itaguaí. Depois de muitos estudos, assentou-se em permitir o uso de dois penachos nos cavalos dos enterros. Quem quisesse emplumar os cavalos de um coche mortuário pagaria dois tostões à Câmara, repetindo-se tantas vezes esta quantia quantas fossem as horas decorridas entre a do falecimento e a da última benção na sepultura. O escrivão perdeu-se nos cálculos aritméticos do rendimento possível da nova taxa; e um dos vereadores, que não acreditava na empresa do médico, pediu que se relevasse o escrivão de um trabalho inútil”. Do que se defendeu o escrivão: “os cálculos não são precisos porque o Dr. Bacamarte não arranja nada”.

A casa Verde foi o nome dado ao asilo, por alusão à cor das janelas, que pela primeira vez apareciam verdes em Itaguaí.

E como tinha gente louca em Itaguaí! Por conta da avaliação clínica do Dr. Bacamarte foram trancafiados na Casa Verde o senhor padre, o senhor juiz, a sua própria consorte, enfim, a maioria dos honrados cidadãos itaguaenses. A coisa estava ficando tão esquisita, que cerca de trinta pessoas ligaram ao barbeiro, redigiram e levaram uma representação à Câmara, que se recusou a aceitá-la. O Dr. Simão merecia dos dez vereadores além da confiança, a mais alta estima e consideração. Precisou uma rebelião tendo à frente o barbeiro e atrás de si mais de trezentos rebeldes, cujo movimento ficou célebre com o nome de revolta dos Canjicas, para dar início ao processo de fechamento da Casa Verde e a conseqüente soltura dos supostos lunáticos.

Texto encerrado. Maiores detalhes sobre o Dr. Bacamarte, o leitor terá, lendo o conto de Machado , “O Alienista” onde constatará a minha “parceria” com o escritor, o que está me levando a uma dúvida cruel, não sei se assino eu este texto ou se “psicografo” a assinatura do Machado.

Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 23/04/2009
Reeditado em 23/04/2009
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