A Camisa Predileta

Naquela segunda-feira eu estava com as tarefas acumuladas, e muitas delas não poderiam ser deixadas pra depois, por isso corria contra o tempo. De repente ouço palmas, e chego a pensar em deixar de ir atender, mas a pessoa insistia. Ouvi uma voz desconhecida que chamava:

- Ô de casa! Tem alguém aí?

Fui atender. Era uma senhora, curvado pela força da idade. Ela me olhava com um jeito ansioso, e percebi que estava agitada. Perguntei o que queria, e ela me falou que tinha algo para dá ao meu marido, mas como ele não estava – tinha percebido pela falta do carro na garagem – eu mesma poderia lhe ser útil. Aquela senhora era miúda, tinha talvez um metro e cinqüenta de altura, mas a curvatura da sua coluna lhe deixara com quase a metade do seu tamanho. Estava acompanhada por uma adolescente que não erguia os olhos. Era quem lhe conduzia, e lhe ajudava a fazer as compras.

Depois de pedir mil desculpas, tirou de uma sacola um embrulho machucado, e quase desfeito. Era um presente. Ela queria que eu lhe dissesse se aquela camisa servia para meu esposo, pois, como só havia aquela, ela queria muito dá de presente ao seu novo amigo.

Delicadamente abri, olhei para o presente, e fiquei surpresa com o azulão do tecido. O número era grande, mas olhando para aquele rosto que transmitia tanta ansiedade e suas mãos trêmulas, não tive coragem. Disse com convicção que ela havia acertado na escolha. Ao ouvir minha resposta pareceu-me que havia saído um peso daquele corpo tão frágil. Agradeceu-me, e repetidamente dizia que não poderia esquecer de presentear seu amigo, e quando vira aquela camisa lembrou logo dele.

Ela saiu com aquele andar claudicante, nos olhos um brilho de satisfação, no rosto expressão de puro amor.

Cada vez que abro o guarda roupa e vejo o Azulão lembro da generosidade daquela senhora. Sinto uma emoção que palavras não conseguem expressar. Reconheço que vai ser preciso uma reforma completa, e que andar com aquele azulão vai exigir uma boa dose de coragem, mas imagino a alegria que ela vai sentir quando contemplar seu presente sendo usado pela pessoa que ela tanto ama.

O que ela não sabe é que me ensinou tanta coisa através dessa ação. Acima de tudo, descobri que vale a pena fazer um coração sorrir e na maioria das vezes isso nos custa tão pouco.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 22/04/2009
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