Uma diretoria de viagens internacionais

UMA DIRETORIA DE VIAGENS INTERNACIONAIS

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 22.04.2009)

Ocupo uma das diretorias de viagens internacionais da Casa, ele declarou. Meu chefe é muito generoso e compreensivo e sempre paga bem e em dia e eu lhe sou muito grato e feliz por trabalhar aqui. Por tudo isso, levo uma vida sem crises: sem crises financeiras, sem crises de consciência, sem crises conjugais (até porque casar é verbo que não conjugo sob nenhuma das formas que a Lei hoje reconhece como "união estável", esta coisa passageira que só serve para deixar a gente endividada até o pescoço quando resolve dar o fora porque o convívio tornou-se impraticável).

Sim, sou, faz anos, o diretor de viagens internacionais para a Oceania menos Austrália e Nova Zelândia. Pode não parecer, mas tenho serviço suficiente para ocupar o tempo durante todo o expediente, que é o expediente dos meus clientes: de terça a quinta-feira. Isto todas as semanas! Menos nos recessos, por certo. É óbvio que os meus colegas para a Austrália e para a Nova Zelândia têm muito mais trabalho do que eu, coitados.

Claro, essas são duas diretorias distintas e independentes: a diretoria de viagens internacionais para a Austrália e a diretoria de viagens internacionais para a Nova Zelândia. Há todas as demais, como se pode supor. As mais prestigiosas são as quatro megadiretorias, com suas superestruturas, entregues a servidores da mais elevada qualificação, confiança, trânsito na Casa e habilidade política: as diretorias de viagens internacionais para Buenos Aires, para Miami/Orlando e, especialmente, para Nova York e para Paris. Estas faturam horrores!

Na outra ponta - sim, existe a outra ponta - está a diretoria de viagens internacionais para a Antártida menos Base Comandante Ferraz. Para ela são transferidos os funcionários postos na geladeira. No entanto, há densos rumores na Casa de que muita gente boa ambiciona o posto: com o aquecimento global, a Antártida contará com clima temperado e oferecerá paisagens verdejantes absolutamente deslumbrantes. O continente já vem sendo chamado de O Novíssimo Mundo. Haverá lá, em pouco tempo - e com a decidida ajuda do governo catarinense -, rios incríveis, montanhas estonteantes!

O nosso maior problema? A estupidez de um parlamentar, ele admitiu, cujo nome não merece ser lembrado, que propôs a fusão das diretorias de viagens internacionais da Câmara e do Senado! Veja só que barbaridade!

(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Relatos de Sonhos e de Lutas", contos, Editora Record, Rio de Janeiro)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 22/04/2009
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