O CHEIRO DA MORTE

Acordou meio zonzo e perdido no tempo. Dormira mal. A noite toda repleta de pesadelos, sonhos ruins com várias situações irremediáveis. Nos seus pesadelos estivera cativo, perseguido por malfeitores, um juiz aplicava lhe a pena máxima, estava doente terminal,corria sem sair do lugar, lutava por acordar.

Lavou o rosto com a barba por fazer e sentiu um cheiro penetrante de crisântemos. Sempre associava o perfume do crisântemo à morte, a velório, a choros e despedidas. Não ligou.

Saiu de casa sem destino, olhou as alamedas, o parque, o ponto de ônibus. O resedá florido e o salgueiro triste balançando seus ramos por sobre o muro. Novamente sentiu o cheiro inconfundível de crisântemos. Interessante é que não havia nenhum jardim próximo, nenhuma floricultura.

Conferiu o cheiro das axilas, quem sabe não era o desodorante, mas não era. Cismou.

Atravessou a avenida, observou os meninos empinando pipas e ouviu a musiquinha chata do caminhão de gás ao longe. Pensou na vida, no quanto tinha feito de bom e de ruim. Quanto amara e quanto odiara . Quantas vezes perdido num turbilhão de emocionadas paixões não proferiu um monte de impropérios e quanta vez magoara as pessoas próximas ? Estava doente naquela época, álcool e drogas.

Agora que estava livre disso tudo, era acompanhado pelo fantasma da solidão. Quando todas as sombras do vício foram apagadas, deixaram-no só, simplesmente encostado, descartado, imóvel na sua dor, a dor do arrependimento por tudo que fizera.

O que ele era afinal de contas ? No seu tempo de jovem casado fizera a felicidade do lar, dos filhos, dos amigos. Era querido no emprego, respeitado pelo seu conhecimento e lógica.

E agora ? Não sabia dizer. Nem sabia se estava realmente vivo para as questões mais triviais, como pagar uma conta, comprar um par de sapatos, encomendar uma pizza.

Parou na esquina para conferir os jornais numa banca. O cheiro nauseante de crisântemos estava impregnado em sua roupa. Ficou intrigado.

Entrou num boteco sujo, cheirando a óleo de frituras e vinho azedo. Comprou um maço de cigarros paraguaio e um isqueiro barato. Antigamente fumava somente os tabacos da Souza Cruz, mas o custo aumentou e como os malefícios eram os mesmos, optou pela marca pirateada.

Sentou num banquinho ordinário e sonhou acordado com seus dias de glória, de vitórias, de flertes, de beijos e dos abraços das lindas mulheres. Pensou e sentiu novamente o cheiro de crisântemos. Crisântemo para ele estava associado à morte. Chorou por dentro e um pouco por fora. Lacrimejou.

Saiu cabisbaixo do botequim , aspirou o ar frio das dez da manhã e dirigiu-se a praça pública. Sentiu tonturas, rodopiou nos seus calcanhares e caiu sob a sombra de um flamboiam. Morreu. Foi sepultado naquele mesmo dia coberto de crisântemos. Crisântemo para ele estava sempre associado à morte.

Techodelogte
Enviado por Techodelogte em 22/04/2009
Código do texto: T1553409
Classificação de conteúdo: seguro