A Calista
Por força da herança genética materna de uns pés tenebrosamente formadores de calos e calosidades, aqui estou mais uma vez me refastelando na cômoda poltrona para a incômoda sessão.
A Mara, quiropodista cujas mãos suaves e treinadas cumprem nos meus pobres pés a dolorosa função há já algum tempo, fala num tom suave, monocórdio e estranhamente intimista...Algo assim como se estivéssemos não ali naquelas circunstâncias e naquele pequeno gabinete, mas sim na cama, após fazer amor, me dizendo sobre os probleminhas do seu pequeno mundo e estivesse me espremendo carinhosamente as espinhas do corpo...”Oh! Doeu, meu amor? Perdoa, querido...eu não vou machucar você de novo!”
E veio finalmente a pergunta: “Você não usa aliança! É desquitado, divorciado?”...
Enquanto eu explicava as razões de não usar aliança, ela bebia minhas palavras e parecia flanar em pensamentos que não tardou a exteriorizar, primeiro tateando o terreno e depois de forma rasgada, aberta e deliciosamente indecente:
“Homem que é homem deve ter duas mulheres...” disse com um sorriso aberto e quase cândido, como se fosse a mais normal das afirmações!
Surpreendido, fiquei breves momentos em silêncio. “Mas...”, balbuciei, “Eu já tenho dificuldade em conseguir tesão para a que tenho, imagina para satisfazer duas!”
Ela se abriu numa longa e sonora gargalhada e, quando se refez, disse com um sorriso maroto e atrevido: “A gente dá um jeito nisso...”.
E se esbaldou em seguida explicando que o verdadeiro homem tem a esposa, a “matriz”, mãe das suas crianças, que lhe mantém as roupas lavadinhas e passadas, cuida da sua saúde, que aguenta seu ronco e troca aquela almofada asquerosa que você baba todas as noites, mas cá fora deve ter sua menina, a “filial”, sempre cheirosinha e sem grilos pronta a satisfazer todas as suas fantasias...