O Golpe do Milagre

Estava na parada de ônibus já fazia um bom tempo. Esperava o 014. Como sempre faço, estava observando as coisas. Afinal de conta em parada de ônibus agente ver e ouve cada uma... De repente, fixei minhas observações em um jovem que atravessava a rua rumo a parada. Ele vinha assobiando uma conhecida canção da moda, e com um sorriso nos lábios, agradecia aos motoras que gentilmente paravam para dar-lhe passagem, visto a sua deficiência. O jovem era manco de uma das pernas e andava de um jeito esquisito. Apoiava a mão direita no joelho do mesmo lado e com o corpo curvado seguia em movimento de sobe e desce jogando a referida perna para frente, mas com certa dificuldade. Chegou. Parou ao meu lado, e continuou com sua alegria, assobiando, e com olhos cheios de brilho olhando tudo ao redor. Cumprimentou-me. Falou qualquer coisa com uma senhora gorda a nossa frente. Brincou com o moleque do picolé e tirando dez centavos do bolso da bermuda, comprou um.

Diante daquela cena me pus a refletir como é engraçada a vida. Eu ali, cheio de saúde, sem nenhum problema físico, havia chegado à parada e não cumprimentara ninguém. Preso em meus pensamentos e observações não percebera que um bom dia é feito de sorrisos e cumprimentos ao próximo. O senhor ao meu lado conversara a pouco com um outro sobre sua briga com o vizinho, por causa de um rego de água que estava trazendo lama para seu terreno lá no Grande Vitória. Havia tido até polícia e os dois estavam sem tratar-se cordialmente por causa do ocorrido. Enquanto aquele jovem deficiente, cheio de razões para ser amargurado e triste, vivia feliz e ainda contagiava tudo ao seu redor, com tamanha simpatia. A senhora atrás de mim reclamava da demora do 414 e esbravejava qualquer coisa a respeito. O jovem, no entanto dizia-lhe:

-Calma Dona. Daqui a pouco já vem. Fique tranqüila.

-Que vem nada! To aqui há quase meia hora e nada.

-Olha, num disse, lá vem ele!

E pegando a senhora pelo braço, ainda a ajudou rumo à porta de entrada do ônibus. - Aquilo sim era ser cordial. Pensei comigo mesmo.

Pensando ainda, fiquei imaginando como seria a vida de uma pessoa com tal deficiência, e me arrepiei a me ver em seu lugar. Percebi como somos fracos pras coisas ruins da vida. Aquele jovem ali ao meu lado, todo feliz sorrindo, como se fossemos nós os portadores de necessidade e ele o único que não precisava de ajuda. Aquilo sim era de verdade um exemplo de vida. Uma prova real de que devemos nos aceitar do jeito que somos e não do jeito que queremos ser. E isso é coisa que poucos de nós sabemos fazê-lo. Diante de tudo isso, decidi puxar assunto. Até mesmo por questão de consciência era minha obrigação conversar com aquele jovem.

-Foi acidente meu jovem?

-Sebastião moço! Meu nome...

-Opa! Me desculpe! Sou João, João Nogueira. Mas sim, foi acidente isso com você?

-Não moço, sou assim desde que me entendo por gente. Mamãe fala que foi paralisia. Tive com sete meses. Agente morava lá no interior e somo muito pobre... O senhor sabe né?

-Sei sim meu filho. É muito triste, compreendo.

-Nada seu João. Dexe disso, eu sou é mais eu. Num devo nada pra ninguém não. Trabalho duro pra ajudar lá em casa. Eu fico lá no cais do porto carregando bagagem prus pessoal e ganho uns trocados. Às vezes alguém sente pena de mim e quer me dá dinheiro. Fico até ofendido, mas se vejo que é sem pena, aceito sim senhor.

-Olha Sebastião...

-Pode me chamar de Sabá. - Interrompeu-me ele batendo em minhas costas. Todos me conhecem assim e o senhor já é meu amigo. Dexe de cerimônia comigo.

-Ta bom Sabá. Mas como ia dizendo meus parabéns! Você é uma pessoal que tem muita dignidade. Aliás, qual o ônibus que você está esperando? Deixe-me ajuda-lo!

-É o 416. Aceito a ajuda sim! Já passou algum nestes instantes?

-Não! Não depois que aqui cheguei!

-Ta bom Seu João! O senhor me dar sua licença um instantinho?

Pedindo licença, ele sorridente se afastou e foi até a banca de revista próxima, olhar qualquer coisa.

Voltei as minhas reflexões. Agora com a alma lavada com tamanho exemplo de coragem dado por aquele jovem. Sabá... Com certeza iria contar essa estória pra muitos.

De repente quebrei meu raciocínio quando vi Sabá seguindo apressado rumo à porta de um ônibus. Quando ia avisar-lhe que não era o 416, fui interrompido pelos gritos histérico de uma senhora que estava na porta de entrada, com um dos pés no degrau do coletivo.

-Pega ladrão! Socorro! Minha bolsa...

Foi um alvoroço só. Quando compreendi a situação, Sabá já estava dobrando a esquina em disparada. Sua deficiência havia dado lugar a uma tremenda agilidade, que colocaria qualquer gato em desvantagem. Com um único movimento ele empurrara a senhora e arrancara-lhe a bolsa. Depois saíra correndo rumo à esquina, rápido como um raio.

Passada a confusão, e enquanto uns consolavam a pobre senhora, voltei novamente para minhas agora confusas reflexões. Teria eu presenciado um verdadeiro milagre ou seria apenas mais uma testemunha ocular de um golpe muito do seu esperto.

De tudo; só tinha duas certezas. Primeira, aquele tapinha nas costas levara minha carteira junto. - Que safado! Praguejei. Segundo, em parada de ônibus, agente aprende cada parada.