Um dia (quase) perfeito...
Você acorda com o barulho de uma cachorrada latindo na rua. Olha o relógio e percebe que ainda faltava meia hora para acordar no horário certo; agora já era, não dá mais pra dormir em meia horinha. O jeito é se levantar. Vai colocar o chinelo, bate com a canela no ferro da cama; abafa o berro pra não acordar ninguém e ter de ouvir desaforos por estar gritando àquela hora da manhã. No banheiro, após fazer as necessidades fisiológicas, você vai pegar o papel higiênico... Ei! cadê o papel higiênico? Acabou o papel higiênico. Vai tomar banho, o chuveiro não esquenta. Vai tomar café, acabou o café. Decide não pegar o guarda- chuva. Chove e você se ensopa. O ônibus vai mais devagar por causa da chuva; você se atrasa. Chega no serviço, ouve a ladainha do patrão porque se atrasou. Estoura a caneta na boca. Um mosca-morta te dá um chute bem na mesma canela dolorida...
Um dia pra esquecer da memória.
É engraçado como a vida, às vezes, inventa de nos dar uma lição cruel sob a forma de um dia terrível. Nada dá certo, e quando chegamos em casa à noite, tudo o que se quer é esquecer cada minuto daquele verdadeiro karma cruel. Muitos acreditam que na verdade não se trata de azar: nós próprios somos os culpados pela nossa desgraça, principalmente quando, à primeira infelicidade do dia, soltamos a célebre frase: “Hoje vai ser um dia daqueles!” Ao afirmamos isso, normalmente o dia, de fato, torna-se terrível, pois a sentença já está declarada, e nem nos permitimos ver a beleza daquela chuva que ensopa, ou a graça da canela inchada.
Muitas vezes o dia ruim já nasce antes mesmo de o sol raiar. As preocupações do trabalho, a rotina cansativa e as frustrações pessoais acabam formando uma gigante “bola de neve”, a qual inicia sua queda avassaladora na primeira manhã em que algo dá errado, e criamos uma lista com todas os pequenas e grandes obstáculos que encontramos naquele dia. Assim sendo, vamos deixando os problemas aparecerem mais que as soluções, e entristecendo-nos minuto a minuto, hora a hora. Tanto que, ao por o corpo já “acabado” dentro de casa no fim da jornada, o sentimento é de vazio e melancolia, quando poderia ser de superação e serenidade, se houvéssemos lutado contra nossa própria estagnação.
Por outro lado existem os céticos do dia ruim. Já advirto: serão poucos os leitores identificados com esta categoria, pois trata-se de uma arte difícil e que requer anos de prática combinados com genes tranqüilos, tranqüilos. Os céticos do dia ruim são pessoas que se divertem sozinhas, inclusive nas ocasiões em que o centro das piadas é elas próprias. Quando a fila do banco está enorme, por exemplo, riem-se daqueles mais estressados, os quais xingam os atendentes, xingam os seguranças, xingam quem não caminha na frente deles; e soltam frases características, como: “Este Brasil é uma vergonha!!!”, ou: “Nesse ritmo, vamos ficar aqui até as onze da noite!!!”. Ou ainda quando chove, pois o cético, sabendo que vai se molhar de qualquer forma, caminha tranqüilo, com a roupa encharcada mesmo, observando divertido quem se encolhe de frio ou corre se molhando ainda mais.
Finalmente, sabemos que nem todos possuem características como tranqüilidade ou paciência, e que outros tantos perdem as mesmas com rapidez surpreendente. No entanto, para atingirmos um ponto onde a vida é feliz e próspera, não podemos deixar as horas escaparem por entre os dedos sem lhes dar o devido valor, pois quem espera o dia seguinte para começar a ser feliz, pode simplesmente ficar sem o dia seguinte, e então não lhes sobrará nada.