Entrando por um ouvido...

“Sabe aquela guria de azul? Gostou de ti, quer te conhecer”, falou-me um amigo, certa noite de sábado em que decidimos sair para dar um volta pelo centro. Este mesmo amigo, o mais descarado de nós, abordou umas moças que passavam; tentando jogar o seu charme irresistível, como ele mesmo definia, ficou lá conversando por um tempo antes de voltar com os olhos grudados em mim, sorrindo, e dizer- me a frase do início do texto. Foi com o canto dos olhos que vi a moça e constatei que era bonita, além de aparentemente ser muito simpática. Bem, uma oportunidade dessas não aparece todo dia, e não quis desperdiçá-la; chamei-a discretamente e sentamo-nos em um banco para conversar a sós. Logo percebi que ela gostava muito de falar, e eu, como melhor ouvinte, fiz- lhe uma pergunta qualquer para dar- lhe ânimo, e esta por sua vez começou a discursar freneticamente. Falou- me sobre a família, sobre os estudos, sobre os namoros... enfim, falou-me de quase tudo que fez e que deixou de fazer na vida. Alguns (muitos) minutos depois eu já sabia tudo sobre ela, e ela não sabia nem o meu nome. Quando percebeu isso, tentou se desculpar: “Nossa, como eu falo! (imagina!) Mas e aí, me diz alguma coisa sobre ti...”. Espantado com sua falta de interesse, indaguei: “Falar o quê?”, antes de ela responder: “Ah, sei lá, qualquer coisa...”. A princípio fiquei decepcionado com o suposto desleixo da menina, mas depois acabei percebendo que apesar de falar muito, ela não sabia ouvir, e, consequentemente, conversar. Infelizmente, naquela noite não tive sorte, pois minha nova amiga não quis nada comigo; entretanto, aquele episódio levantou-me uma dúvida a qual ainda me esforço para responder: Será que os jovens (e as pessoas em geral) sabem conversar?

Como a menina daquela noite, muitas pessoas sabem falar; com elas o assunto nunca morre, pois basta fazer-lhes uma pergunta qualquer para (re)começarem seu “monólogo”. Entretanto, sabemos que um diálogo não significa apenas falar, mas falar e ouvir. Com isso nota-se certa arrogância em muitos que querem apenas contar os fatos de sua vida para alguém, mas estão sempre desinteressadas em ouvir as histórias dos outros. Existem nos nossos dias poucos casos de bons ouvintes, aqueles que não apenas escutam, mas prestam atenção, fazem perguntas, concordam com a cabeça e demonstram ao interlocutor que estão interessados no assunto.

As muitas falhas na comunicação verbal podem ser explicadas por diversos motivos, no entanto o mais óbvio deles é também o fundamental: Não sabemos conversar simplesmente porque conversamos cada vez menos. O excesso de trabalho e até mesmo a falta de segurança nas ruas são grandes responsáveis para que as pessoas estejam perdendo o costume de fazer visitas e botar o assunto em dia ou apenas jogar conversa fora. No entanto, não serei pretensioso de pensar que conheço todas as razões pelas quais o diálogo está se tornando uma prática em extinção, só o que posso afirmar é que a psicologia é a profissão do futuro.

Exato, a psicologia é a profissão do futuro, pois se seguirmos neste ritmo, chegará o dia em que as pessoas estarão ocupadas demais para ouvirem umas as outras, e sentirão profunda necessidade de conversar e expor suas preocupações para alguém. Como os padres e seus confessionários atendem apenas os religiosos e católicos, sobrará para os psicólogos o papel de conversar e ouvir aqueles que tiverem problemas. Desta forma, a busca por estes profissionais será enorme. Com a grande procura, talvez surjam até promoções: “Pague uma consulta e leve duas”, ou então “No dia de seu aniversário você não paga!”.

Para evitar que nosso humilde planeta chegue a esse ponto, devemos fazer algumas coisas simples, como perguntar para alguém como foi seu dia, por exemplo. É preciso se interessar pela vida dos amigos e familiares, ouvir o que eles têm a dizer, para que os outros se interessem por nós, da mesma forma. Finalmente, quando estivermos falando com alguém, não custa nada lembrar-se que ali, nos ouvindo, está uma pessoa a qual naquele momento faz parte da nossa vida, e a está compartilhando conosco.

Felipe Bilharva
Enviado por Felipe Bilharva em 21/04/2009
Código do texto: T1551415