Não Basta Pedir Perdão


Às vezes, no calor da discussão, dizemos ou fazemos coisas das quais nos arrependeremos depois. Recebi um textinho cuti-cuti uma vez, em que um garotinho era muito brigão e o pai dele sugeriu, como exercício, que sempre que tivesse muita raiva de alguém pregasse um prego numa tábua. Depois, quando a raiva passasse, arrancasse o prego de novo. O garoto logo percebeu que não importava o quanto seu espírito estivesse sereno, não havia nada que pudesse fazer para recuperar a madeira, marcada para sempre pelo prego de sua fúria. A lição havia sido entendida. O menino procurou ser menos explosivo, pensar mais antes de tomar atitudes destemperadas.
Bom mesmo, é se fôssemos como um cachorro que depois de levar uma dura do dono e encolher-se, rabinho entre as pernas, ao primeiro sinal de reconciliação, voltássemos correndo, língua de fora e rabo de ventilador, completamente esquecidos do desaforo. Mas não somos. Podemos perdoar, podemos aceitar, mas as relações humanas são como o cristal. Uma vez quebradas, nunca mais serão iguais, por melhor que seja o trabalho do artesão que tente recuperá-las.
Num outro textinho assim, bem fofolete, a lição do pai foi fazer o menino desbocado jogar pedaços de carvão num pano pendurado no varal, para cada xingamento que ele gostaria de fazer. Ao final, cansado, ele sentia-se realizado pela inusitada terapia. Foi quando o pai lhe mostrou que tudo no quintal estava sujo de carvão, enquanto o pano só tinha borrões. E, em seguida trouxe um espelho. Chocado, o garoto percebeu que estava completamente preto de fuligem. O pai lhe fez ver que ao lançarmos palavras duras contra alguém, podemos atingir outras pessoas às quais não queríamos ofender e, muitas vezes é a nós mesmo que elas mancharão.
Este texto acho ainda mais significativo. E há um outro que o complementa em que um sábio diz que, se a pessoa recusa um presente, ele pertence a quem o tentou dar. Tanto faz se o presente é mesmo uma gentileza ou um desaforo.
E é aí que eu entro, após todo este preâmbulo. Costumo ser bem tolerante com os erros alheios, tomar por brincadeira seus desaforos, mas, às vezes, eles me machucam como o prego na madeira. Por mais que veja que é o outro quem está coberto de carvão, enquanto apenas respingos eu tenho, não consigo aceitar a injustiça calada. E acabo sendo eu a distribuir marteladas, acabo aceitando o presente-desaforo, o qual trato de devolver, ainda mais recheado de injúrias. O resultado disso é aquela que poderia ser ainda uma linda amizade, espatifar-se no chão em milhares de pedaços de cristal.
Preciso mudar. Preciso controlar isso. Não é um longo caminho e já dei alguns primeiros passos, mas preciso muito avançar. E, já que hoje eu estou pegando carona em textos alheios, acho que posso encerrar com a linda Prece da Serenidade, atribuída ao teólogo americano Reinhold Niebuhr: "Concedei-nos Senhor, serenidade necessária, para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguirmos umas das outras."
Amém