A farmácia, a igreja e o correio

Em 1971, Tia Maia ponderou que ainda estava em tempo de fazer uma viagem, antes que fosse tarde demais (para ela). Mas não seria para conhecer novos lugares, o que ela desejava mesmo era rever Paris, Roma e Londres. Convidou-me para acompanhá-la. O convite incluía passagem, hotéis, traslados... Claro que aceitei, e minha contrapartida foi cuidar dos finalmente.

Fomos primeiro a Paris. Lá nos hospedamos no hotel Califórnia, na rue des Écoles, pertinho da Sorbonne. Modesto, porém confortável e muito bem localizado.

Todos os dias almoçávamos num Café quase em frente. Desde o primeiro dia, tia Maia explicou que “estava de dieta”, só podia comer bife na chapa e batatas cozidas sem gordura. Foi atendida sem problemas. Ficamos logo conhecidas no local e ao chegarmos éramos cumprimentadas com apertos de mão. À noite tomávamos chá em outros lugares, às vezes acompanhadas do amigo Kalil, que na ocasião morava por lá.

Passeamos, olhamos vitrines, visitamos museus. Toda vez que passávamos em frente de uma igreja, tia Maia entrava. Eu ia atrás. Dizem que podemos fazer três pedidos em cada novo templo conhecido. Fiz muitos!

Tia Maia comprava cartões postais e à noite punha-se a escrever. Para os irmãos, sobrinhos, amigas... Metade de Taubaté recebeu notícias. Da primeira vez que fomos postá-los, custamos a achar o correio. Procuramos também uma farmácia, esta eu conhecia, indiquei logo. Não precisávamos de remédios, era só pra saber, em caso de necessidade. Ela queria ter esta garantia.

De lá seguimos para Londres. A primeira coisa que fizemos na cidade, logo de cara, foi procurar a farmácia, a agência dos correios e a igreja católica mais próxima. Logo conseguimos localizar o Post Office e a drugstore. A igreja católica, não. No domingo assistimos a um culto anglicano...

De manhã, na hora do breakfast, tia Maia se restringia ao chá com tostadas e eu, além disto, mandava ovos com bacon, suquinho de laranja e ainda completava a refeição com um feijãozinho adocicado.

Estivemos no British Museum, na National Gallery, no palácio da Rainha, no Mercado das Pulgas, no Museu de Cera, no Hyde Park – um belíssimo parque, não confunda com raio que o parta. E também entramos em muitas lojas...

Na famosa Selfridge e em outras cujas vitrines nos atraíam. Até procuramos uma casa especializada em cashemires, na antiquíssima Bond street, onde fiz questão que ela comprasse algo para si. Valeu a pena. O conjuntinho de pura lã, que custou muitas libras, foi usado até os últimos dias de sua vida.

Almoçávamos em pequenos restaurantes italianos, onde dona Marina podia comer espaguetes sem ter que dar aos garçons maiores explicações sobre sua famosa dieta. Isto seria difícil para nós. Tanto ela como eu tínhamos um inglês muito pobre.

Andando pelas ruas, ou recostada no hotel, de repente minha tia olhava o relógio e punha-se a calcular. São tantas horas no Brasil, onde estará o nhô Zé agora? Será que já molhou as plantas? Será que já varreu o quintal?... Eu ria e perguntava se isso tudo era saudade do “mordomo”. Fazia a piadinha só pra provocar, sabia que ela ficava furiosa.

Em Londres ela também comprava postais de todos os monumentos. Antes de dormir, punha em dia a correspondência e na manhã seguinte íamos ao correio.

No último dia, a caminho do aeroporto, como havia dito em Paris, ela repetiu: “quando sabemos onde fica a farmácia, a igreja e o correio, está na hora de partir”.