Ao primogênito do meu quintal
Já nem me lembro mais ao certo quando você chegou, mas lembro como veio. Estava dentro de uma sacola, dessas de plástico mesmo, e acabara de fazer uma viagem do trabalho de meu pai até a minha casa, vieram de ônibus.
Parecia uma bolinha peluda de tão fofo, um lindo Pastor Alemão. Durante à noite chorou tanto, dengoso! Já havia uma companheira para ele, da mesma raça, no começo foi difícil, mas ele é tão carinhoso que ela logo se rendeu. Foram companheiros durante alguns anos, mas Tica - como era chamada - logo nos deixou.
O quintal agora era todo seu, ele reinava! O carinho era dedicado somente à ele, era o que sempre quis o, agora gigante e forte, Lucky.
Corria por todo o quintal como uma criança que mora em apartamento e aos finais de semana vai para a casa da avó. Muito esperto esse meu primogênito!
Logo meu pai se ocupou em arrumar companheiros para ele, e vieram um casal de Labrador - Zeus e Gaia, pretos, lindos! Tão carinhosos quanto o primogênito Lucky.
A fêmea também nos deixou. Meu pai trouxe logo outra fêmea, irmã de Zeus e Gaia, chamamos de Daphine, morreu também, pensamos não ter sorte com fêmeas! O macho continuou, e ainda está pelo quintal. É companheiro fiel nos latidos e nas brincadeiras com Lucky, eles sabem se divertir!
Meu pai, protetor incansável dos animais, adotou uma Vira-lata, seu xodó! De nome engraçado, Batatinha! Ela se esparrama pelo quintal, tamanha a preguiça! Mas não mexam com ela, não gosta nem um pouco das brincadeiras dos seus companheiros de quintal e chega a avançar neles se esses se aproximam dela.
Depois de alguns anos reinando nesse quintal, Lucky, não corre tanto como fazia, continua recebendo carinho, talvez não o de sempre, de quando chegou, e já não se sente tão entusiasmado quando novo.
Temo que sua idade e sua estadia estejam chegando ao fim nesse quintal e que Deus esteja preparando um cantinho em outro quintal para ele. Sou egoísta e já sofri tanto com a perda dos meus antigos protetores e companheiros de quintal...
Meu primogênito que reina o quintal não só da minha casa, mas de meu coração também, está cansado, de andar mais lentificado, olhar mais triste...
Triste estou ficando em escrever esse texto, meus olhos já marearam, já chegou a torcer minha gartanta, o famoso nó, por pensar em perdê-lo.
É engraçado como eles são importantes para mim, os três são, parte de mim. Trazem histórias, estão na memória de família, são da família e pensar em perdê-los é perder uma parte, essa parte que eles constituíram com o passar dos anos. Trazer outros para esse meu quintal é fácil, mas não são os mesmos de antes, cada um traz uma característica única, como os amigos que tenho - com o perdão da analogia.
Tantos anos chegando em casa e olhando para ele - o primogênito -, que quando estou na esquina da rua de casa ele já sabe que estou chegando e até sobe na grade à espera do carinho, que confesso: nem sempre faço!
Eu entro e ele corre para perto de mim, me cheirando toda, me lambendo com sua língua gigante, como se dissesse: - Estou aqui, cresci, mas ainda preciso do seu carinho!
Acho que fazemos isso também... Crescemos e continuamos esperando o carinho das pessoas como quando éramos crianças, mas nem sempre o temos.
Preciso me atentar aos sinais de alerta que as pessoas dão. Escrever esse texto, que começou com uma intenção e acabou com outra, me fez pensar nisso. Como somos distraídos!
Bom, meus outros protetores de quintal que me perdoem, mas meu primogênito, ah, esse é meu preferido!