DECOLAGEM
As comissárias de bordo haviam sumido. Paulatinamente, o Boeing 747 ia deslizando na pista, afastando-se pesadamente da maravilhosa Terra Firme. Lá dentro os passageiros iam se mostrando. Na classe econômica via-se os catatônicos de carteirinha e logo em seguida os que simplesmente riam ou sutilmente gargalhavam, embora não se pudesse saber do que ou de quem e que também suavam. Mais adiante, alguns cantarolavam músicas que não existiam, verdadeiros compositores, aliás, desses, uns tinham frio e se cobriam, enquanto outros tinham medo e se cobriam também se agarrando ferozmente aos cobertores como se lhes fossem os derradeiros pára-quedas.
_ Que cheiro é esse, perguntou a moça de vestido rosa.
_ Sei lá, respondeu uma outra - parece querosene -
_ Com licença, a senhora está sentindo falte de ar?
_ De jeito nenhum, moço. Estou sentindo falta é da Terra!
Na primeira classe, todos eram mais distintos e polidos, celebridades é bem certo e levando-se em conta que não se pode enxergar a dor, fundamentalmente a de barriga, de olhos fechados quase todos liam os jornais e revistas que estavam de cabeça pra baixo, amassados entre dedos que não se mexiam nem pra passar as páginas, porém alguns ainda fingiam respirar.
Já na classe executiva, ouvia-se um suave murmúrio, embora não fosse sequer assuntos de negócios, pois sempre no final todos repetiam em uníssono o tradicional “Assim Seja”. No hebraico, “Amém”.
(MARCANTE, Alexandre).
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