CONFLITOS INFANTIS (Um alerta aos pais)
De um dia para o outro, já não eram mais amigas. Uma briga de crianças e a interferência de uma das mães, feriu o orgulho da mais independente. Quando a outra mãe chegou, era tarde. Encontrou a filha com lágrimas nos olhos, tentando conter a raiva. Acalentou-a, mas pensou que seria apenas o sentimento exacerbado dos infantes. Explicou que ela deveria ser forte, que as crianças deveriam resolver os seus problemas entre si sem a intromissão dos adultos. Resgatou na memória seus tempos de escola, algumas desavenças, apelidos cruéis...
Todos os dias havia alguma reclamação. A menina voltava triste, desabafava os xingamentos e as humilhações com a mãe, a presença ostensiva dos pais do desafeto e seus olhares de reprovação e, até mesmo, a covarde interpelação dos mesmos para tentar a reconciliação. A menina se escondia na biblioteca ou tentava ficar perto da saída para evitar o contato. Ela telefonava para a mãe na hora do recreio, levava um livro, ia à enfermaria com dor de cabeça, andava em círculos.
A turma se dividia. Depois de quatro anos de confraternização, festas de aniversário e primeiros sonhos compartilhados, a malícia contagiava as relações e os coleguinhas iam e viam num mundo de intrigas infantis. Com dez anos incompletos, a menina não deixava de ser criança, caía nas armadilhas e seu nome estava sempre envolvido em alguma confusão.
O nome do desafeto reverberava nas noites em que demorava a dormir. Toda manhã perguntava se era mesmo necessário ir à escola, inventava desculpas, tinha até febre... Mas a mãe continuava acreditando no amadurecimento com os deslindes dos conflitos infantis. Também havia o colégio, os profissionais preparados...
Um dia a menina não aguentou e chamou seu desafeto de burra e de outros bichos mais peçonhentos... A menina usou as palavras em legítima defesa. O desafeto escutou-as como um golpe mortal e chorou, os pais tomaram a dor da filha e declararam guerra à menina e à sua mãe, telefonaram no meio da noite para falar alguns desaforos.
A mãe da menina ficou assustada. Pela primeira vez, percebeu o perigo que acendia o medo da pequena, a tristeza das vésperas às aulas. Mas não poderia deixar sua filha abandonar a escola no meio do período letivo. Deixou-a na entrada logo que bateu o sinal, viu o pequeno corpo vacilante se distanciar. Estava com os ombros caídos e os passos inseguros...
A mãe passou o dia com a imagem da filha no pensamento. Saiu do trabalho correndo e chegou cedo para buscá-la, mas já era tarde. Na parte posterior da coxa, o roxo de um chute, e nas lágrimas silenciosas, a vergonha e o grito dos tantos insultos que escutou dos coleguinhas convencidos pela ira de seu desafeto. Não havia mais carteira para ela, não havia espaço para sua alegria.
A mãe abraçou-a e chorou. Sentiu-se omissa, impotente... Depois raiva, descrença... Ela acreditava na escola, na infância, nas amizades... E agora? O que lhe devolviam era uma pequena alma em feridas, com ódios e intrigas estampados.
Quando bateu o sinal, a mãe entrou no colégio. Sentia as pernas trêmulas como se fosse a primeira vez que estivesse lá. Falou com a coordenadora sobre a história, retalhou os anos do jardim de infância até a quarta série, não escondeu sequer as ofensas que sua filha proferiu... A coordenadora estava constrangida, pediu desculpas pela escola, mas não poderia reparar o dano, pois a (má) educação era uma herança dos pais. Talvez uma acareação, chamar todos os envolvidos, uma advertência... Enumerou todas as possibilidades até que foi vencida pela sinceridade: conflitos assim eram irremediáveis, qualquer atitude certamente não daria em nada ou até acirraria os ânimos.
Muitas vezes os pais não querem ver e deixam os filhos sem limites... Outras atenuam as exclamações com as fortes cores da infância...
Despois de exaurir o assunto, a mãe saiu da escola aliviada. Adotou todas as providências possíveis: trocou a filha de turma, de turno, cancelou o curso de línguas... Pensou ter resolvido o conflito, mas logo tropeçou no absurdo da situação e guardou sua impotência no nó estrangulado da garganta. As agressões deveriam ser cicatrizadas no esquecimento. A menina estava condenada à pena de se deparar com a realidade de impunidade logo nos bancos da escola junto às lições de moral e ética.