Fui preparada para chorar, mas...
Fui preparada para vê outros chorarem, e me preparei psicologicamente para isso. Estava num velório. Uma senhora a quem amava e admirava havia adormecido na noite anterior. Morreu com longos anos de vida. Tive o prazer de passar horas de conversação com ela, onde pude ouvir e aprender muita coisa. Era uma mulher risonha, determinada, esforçada e carismática. Sempre que nos encontrávamos eu a chamava de minha menina ou então para vê-la mais bonita, dizia:
- A senhora é a mulher mais bonita do universo!
Ela apertada minhas mãos, abraçava-me e dava um dos sorrisos mais belos e sinceros que já vi, e dizia com uma voz um pouco rouca:
- Bondade sua, você é que é bonita. Que negócio é esse de achar que sou a mais bonita do universo? Eu, uma velha destrambelhada?
Eu não me cansava de apertá-la nos braços. E assim passávamos horas de risos, conversas... Mas o que importava pra mim era poder ouvi-la. Ficava observando como ela reagia aos diagnósticos médicos, às limitações da idade, à mudança da casa que tanto amava; as partidas doloridas... Ela se queixava, mas não com amargura, raiva, ou qualquer outro sentimento destruidor. Ela reagia desabafando, mas com a convicção de que tinha que ser daquele jeito. Havia aceitação naquilo que não podia mudar.
Margarida era seu nome. Linda! Em todos os sentidos era bela. Cabelos brancos, rosto enrugado, corpo magro, porém um olhar vivaz e um sorriso caloroso. E os braços? Davam à impressão que estavam sempre abertos, e que neles poderiam caber o mundo!Tive o privilégio de me aninhar naqueles braços amigos.
O momento era de dor. Casa cheia. Era sempre assim. Vivia rodeada pelos filhos, netos, noras, genros, bisnetos, amigos.
A família e amigos choravam sua saudade. Olhei para minha amiga, e passei a mão por seus cabelos.
- Minha menina – disse em voz baixa - você se foi.
Um neto estava ali, e pôde ouvi minhas palavras. Olhou-me admirado, e tive que contar nosso segredo.
- Quando nós nos encontrávamos, eu dizia que era bela, e ela me devolvia o elogio.
Naquele momento eu estava dando a última palavra:
- Minha menina você é a mulher mais linda do universo! – disse entre lágrimas.
Afastei-me, e fui chegando perto dos parentes, dando uma palavra de sentimento. Numa hora dessas qual ser humano tem poder para consolar? Quando cheguei na cozinha vi uma cena que me trouxe um sorriso e que me deixou embevecida.
Duas irmãs da Margarida, todas acima de oitenta e cinco anos, sem noção do que acontecia na sala, acariciavam-se e conversavam; como duas meninas que se conheceram naquele momento, trocavam informações e riam de uma forma inocente. Cheguei perto e dei um beijo na testa de uma e acariciei os cabelos da outra, e uma delas surpresa perguntou:
- Quem é a senhora? É sobrinha de fulano de tal?
- A senhora não está me reconhecendo? Estive na sua casa há oito dias atrás.
- Foi? Pois não tô lembrada, não!
Sorri, ela me devolveu o sorriso. Alguém da família se achegou e tentou fazê-las lembrar da minha pessoa, porém tudo em vão. Eram meninas que haviam chegado numa estrada onde as lembranças não importavam mais. O que importava era o momento, e elas estavam aproveitando cada segundo dentro das suas limitações. Viviam o agora, e o agora naquele momento era a mão de uma irmã sobre a mão da outra, se tocando; olhando nos olhos, rindo... Conversando não sei o quê, porém estavam felizes.