A contadora de histórias

A contadora de histórias

Maju Guerra

A menina ouvia tudo bem atenta, os olhos fixos. O pensamento seguia cada palavra da Dona Sinhá, a maior contadora de histórias que existia no mundo inteiro. Dona Sinhá gostava de contar histórias de monstros, plantas que falavam, bichos de três cabeças. Dava medo de ouvir, mas também era bom saber dessas coisas pra ficar bem cuidadosa. Se Dona Sinhá falava era verdade na certa, todos comentavam que ela não mentia.

Hoje ela falava de um acontecido assustador da sua época de criança. A família morava em uma casa grande no meio de um vasto quintal. O pai era caixeiro-viajante, ficava pouco com a família. Ela, a mãe e os cinco irmãos sentiam muita falta dele, mas fazer o quê? Era seu trabalho. Certa noite o pai estava pra chegar de viagem, todos o esperavam, além de matar a saudade da família, ele sempre trazia presentes e balas. Dona Sinhá criança, a mãe e os irmãos estavam na janela. De repente, viram ao longe um homem de chapéu na cabeça, terno e pacotes em uma mão e a mala na outra, surgindo na rua mal iluminada. A alegria já tinha chegado, era o pai com certeza. Ele veio andando, abriu o portão e entrou. Quando chegou bem perto da janela, o homem virou um lobisomem de arrepiar qualquer um, dentes enormes, as unhas muito grandes se aproximando... Só deu foi tempo da janela ser fechada bem rápido, foi uma sorte. O coração da Dona Sinhá criança quase saiu pela boca, ela disse. Já pensou se saísse? Ela teria morrido, nem dava pra imaginar uma coisa assim.

O lobisomem ficou arranhando e arranhando a janela por um tempão, dava uivos iguais aos de um lobo. Dona Sinhá explicou que uivos eram bem piores do que os latidos de um cachorro grande, eram terríveis. A mãe abraçava todos os filhos, todo mundo tremendo que nem vara verde. Depois, o silêncio, o lobisomem tinha ido embora pra casa do Demo, falou Dona Sinhá. Naquela noite foram todos dormir no mesmo quarto e de porta trancada. Dona Sinhá criança demorou a dormir só pensando em como era feio e malvado o danado do bichão.

Depois que Dona Sinhá acabava de contar a história estava na hora de ir pra casa, era o costume. A menina queria ficar, dava medo atravessar a rua, e se o lobisomem aparecesse? Além disso, ela tinha saído escondida de casa, a mãe não queria que ela escutasse essas histórias. E dessa vez fora uma das mais horríveis, ela pedia a Deus para ter misericórdia, como ouvia a mãe falar. Como não teve jeito lá se foi ela embora, correndo o mais depressa que conseguiu. Chegou em casa com o coração quase saindo pela boca igual ao de Dona Sinhá criança. Agora ela entendia o que era aquilo, e não era nada bom. Abraçou a mãe bem apertado e pediu para dormir no seu quarto. A mãe primeiro brigou, passou-lhe um sabão pela desobediência. O pai veio, riu e disse que criança era assim mesmo, teimosa. Conversou com a mãe que por fim deixou que ela dormisse com o abajur ligado, mas no seu quarto. A menina bem que prometeu que não iria ouvir de novo as histórias da Dona Sinhá, tentaria obedecer com todas a forças. Mas sabe como é, até a tal da Pandora que abriu uma caixa cheia de coisas ruins caiu na curiosidade....

Maria Julia Guerra.

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