Sala da covardia

Quando chegou ao local do primeiro encontro, levou alguns minutos para avistá-la. Ao dar por sua presença à mesa daquele café, surpreendeu-se com tamanha beleza. De certo, encontrava-se constrangido pelo enorme atraso. Mas nem sempre os cálculos da pontualidade dão certo. Os obstáculos, por vezes, se mostram instransponíveis.

Foi uma tarde muito agradável para o casal, cujo primeiro beijo não se demorou, nem mesmo foi necessário mudar de ambiente para enfraquecer a fêmea, como ensinou-lhe certo amigo ao se referir à táticas de sedução. Para não fugir da verdade, tal ensinamento se deu em ocasião posterior a esta. Foi em dada noite. O rapaz era segurança alguma. As emoções – que nada tinham a ver com a mulher de pele alva – fizeram-no inábil. Diante de tanta insegurança, foi absolutamente incompetente no ato da sedução. O “não” da bela foi inevitável. Minutos depois, o apontamento da falha pelo amigo instrutor. No rapaz, além de certo pesar, não pelo fracasso, mas sim pelas emoções desagradáveis, a certeza de que seduzir com técnicas é menosprezar o que há de mais belo quando se seduz e se faz seduzir: a naturalidade.

Do café, o casal dirigiu-se a qualquer restaurante do shopping. Na verdade, qualquer um que o preço parecesse agradável ao bolso dele. Eram os mesmos tempos de vacas magras. Escolhia sem deixar que ela percebesse a verificação dos preços. Julgou sucesso na empreitada, mas nada garante se a bela loira percebeu a movimentação do seu par de poucas platas.

Fazia tempo que não caminhava com mulher ao lado seu feito namorada sua. Seu ego inflava-se com tamanha beleza. Daquele shopping, a acompanhou até sua casa. Aquele mesmo corredor de ônibus fora percurso de alguns textos. Nas diversas viagens que fez, pautas, inspirações, lembranças. E foi justamente em um veículo longo, neste mesmo corredor, que conhecera a bela de então.

Ao ter primeiro contato com família dela, fragmentada pela migração, iniciou-se nele processo de desconstrução da relação que se iniciava. Tal dinâmica não lhe era novidade. Deixar portas abertas para saída prevista, era-lhe absolutamente trivial. A certeza da existência de portas não lhe trazia conforto algum. Passar por elas era questão de tempo. E isto era danoso para a relação que se passava do lado de dentro. Eram incertezas constantes. Uma dinâmica destrutiva. O incômodo maior sempre foi a não-atitude.

Vai ver que toda relação é um monte de portas mesmo. E aí ocorre a abertura de algumas que se fecham ou não com o tempo. E o modo de encará-las é diferente ou igual. As reações são diversas. Há os que relevam quase tudo. Fecham os olhos e cerram portas. Alguns até trancam-nas e jogam fora as chaves. Com o metal, vai-se um pouco da pessoa. E há também aqueles casais com tantas portas abertas raiando luz incômoda, alimentando ódio íntimo dia-a-dia, mas que nenhum dos dois tem coragem de correr porta afora.

O embate se deu. A vaidade entrou em jogo. Utilizar a saída e abrir mão de tamanha beleza? Argumento preciso para postergar a “fuga”.

O dia raiou. Ele dormira no sofá. Pela manhã, melodia pobre e letra profana causam desagrado nele. Somado a isto, o ambiente desarmônico. Uma porta se mexia, então... Outros dias viriam. Neles, a primeira noite de amor. Na moça, gritos de traumas. Na alcova, satisfação masculina.

As razões pela qual a relação terminou não são muito sabidas. Claro que para a moça surgiram portas. Uma das quais ela relatou: o medo de amá-lo. Ele, em toda a sua covardia, deixou a solução de tudo para o tempo.

Ao ver nela portas abertas, apenas esperou que ela passasse por uma das opções, enquanto trancafiou-se, ficando sempre à espreita. Era-lhe a sala adequada. Podia ser chamada de “sala de espera”. Mas nome correto mesmo era “sala da covardia”.

Tudo entre o casal foi rápido. Foi bom, prazeroso. A tarde de aproximação foi vida imitando cinema. Foi tudo glamouroso. Satisfez egos. O primeiro encontro não deixou por menos. Mas a cine-vida não está nem aí para finais felizes. Do ideal para o real, o casal se desconstruiu. E as últimas palavras que ouviu dela foram: “Tenho medo de me prender a você...”. Daí para o fim de mais uma história de amor, foi tempo curto. O rapaz, instalado confortavelmente na sala da covardia, brindou a porta do medo. Dela.