O CARÁTER DA RETIDÃO

Ele, um senhor octagenário e oriental, assíduamente comparecia ao geriatra para as avaliações de rotina.

Sempre acompanhado da esposa, costumava dizer que da saúde não podemos descuidar e congruente ao seu pensamento, sempre obedecia às recomendações de seu médico.

Na dieta era exemplar, e não se desviava da retidão.

"Se é assim, assim será" era o que explícitamente respondia a toda e qualquer orientação.

Um pouco antes dos seus oitenta anos, ao receber os parabéns por ter chegado com tanta vitalidade, respondeu ao profissional que parte do seu sucesso de saúde, se devia à dedicação do médico.

Muito gentil, embora saibamos que o mistério das nossas vida está muito mais além das fronteiras dum consultório.

Certo dia, depois de sair duma consulta muito emocionado, deixou o médico avisado de que seria seu convidado especial na comemoração dos seus oitenta anos.

E na agitação do dia a dia, o médico distraidamente não percebeu que não havia recebido a promessa do convite.

A sua esposa retornava periodicamente, porém o gentil senhor não mais comparecia ao consultório.

Sempre que voltava, era indagada a respeito do marido, ao que respondia:

-Está lá embaixo me esperando...não quis subir, mas está ótimo, como sempre.

Dia desses, eu soube que retornou meio "sem graça" ao geriatra para fazer sua rotina de exames.

O médico estranhou sua atitude introspectiva, bem como sua prolongada ausência.

Ao sair, agradeceu novamente por sua saúde e confidenciou ao médico:

-Doutor, me desculpe, eu não voltei mais aqui porque estou muito envergonhado.

Não me foi possível realizar a festa dos meus oitenta anos porque meu filho adoeceu.

E eu, doutor, não gosto de mentiras...

Nota: Um fato verídico, merecidamente aqui relatado, que nos reporta aos valores essênciais de cada cultura, e mais que isso, da retidão de caráter de cada um.